Massa e Força
Matemática

Massa e Força


Não são raros os físicos que informalmente definem força como massa vezes aceleração. E quando são questionados sobre o conceito de massa, respondem que é força dividida por aceleração. É claro que, do ponto de vista lógico-matemático, isso parece uma piada, pois a óbvia circularidade soa ingênua (para dizer o mínimo). Mas de todos os profissionais que cometem erros assombrosos, os físicos estão entre aqueles que podem nos ensinar muita coisa com seus bizarros equívocos.


Em função disso, lembro que anos atrás uma ex-colega minha do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná me disse algo que jamais esqueci: "Eu confio nos físicos."


A experiência mostra que físicos exageradamente preocupados com a contraparte matemática de suas teorias acabam se afastando da intuição física. E física de boa qualidade definitivamente não se faz sem intuição. Se o leitor tem uma mentalidade mais formal-matemática e, em função disso, encontra dificuldade para entender o que quero dizer, nada posso fazer a não ser lamentar. Trabalhei durante décadas com matemática e física. E posso dizer que a intuição física é algo que me fascina muito mais do que qualquer teoria matemática. Ilustrarei tal afirmação nesta e na próxima postagem.


No entanto, se um físico consegue desenvolver pesquisa de boa qualidade sem saber exatamente o que está fazendo em termos epistemológicos, isso não o qualifica para respostas jocosas, como as alegadas definições de massa e força dadas no primeiro parágrafo. Devemos saber distinguir física de fundamentos da física. Se um físico ignorante sobre fundamentos não sabe o que é força ou massa, que seja honesto e diga a verdade a quem perguntar.


Um dos papéis da matemática na física é conferir parte da epistemologia dessa importante ciência real. Portanto, definir conceitos como massa e força é uma tarefa que carrega uma grande dose de matemática. Ou seja, conferir claramente o caráter epistemológico de uma teoria física é uma tarefa muito mais difícil de ser realizada do que a pesquisa em física, em seu sentido estrito. Isso porque a epistemologia de teorias da física faz parte do estudo dos fundamentos da física, uma área do conhecimento que envolve física, matemática, lógica e filosofia.


Comecemos com o conceito de força. 


A rigor, do ponto de vista filosófico, não faz sentido perguntar o que é força. Faz-se necessária uma qualificação da pergunta. Mesmo que questionemos o que é força no contexto da mecânica clássica (corpo do conhecimento no qual usualmente se faz menção a forças), ainda não estamos qualificando a pergunta. Isso porque há inúmeras formulações não equivalentes entre si para a mecânica clássica. 


Físicos comumente consideram que existem apenas três formulações: newtoniana, hamiltoniana e lagrangeana. Mas isso é falso. Existem várias formulações hamiltonianas, newtonianas e lagrangeanas para a mecânica. E para dificultar a situação, raras são as vezes que tais formulações são apresentadas axiomaticamente. Afinal, para responder formalmente se algum conceito é definível, em uma dada teoria, faz-se fundamental que ele seja uma componente da linguagem de um sistema axiomático. Então analisemos uma formulação axiomática em especial da mecânica clássica newtoniana. 


Em 1953 McKinsey, Sugar e Suppes apresentaram uma teoria axiomática para a mecânica newtoniana. Naquela formulação é possível provar, usando uma técnica lógica-matemática conhecida como Método de Padoa, que força é um conceito não-definível a partir dos demais (partícula, posição, tempo e massa). Portanto, não há definição para força neste contexto. E existe uma explicação intuitiva para isso. Afinal, como afirmamos, não se faz física sem intuição. Se uma partícula está em repouso relativamente a um referencial inercial, usualmente se considera que a força resultante (a soma vetorial de todas as forças aplicadas sobre a partícula) é nula. Portanto, o conceito que pode ser definido é o de força resultante sobre a partícula, que, neste caso, é zero. Afinal, força não é igual a massa vezes aceleração. Força resultante é massa multiplicada por aceleração! As forças individuais sobre a partícula não podem ser definidas. Se, para efeitos de contas, o físico opta por considerar forças individuais como sendo a massa da partícula multiplicada por vetores individuais de aceleração, isso não é inconsistente com a teoria (apesar de não estar previsto nos axiomas mencionados). Mas nem por isso ele pode usar tal recurso como definição para força. Assim, de acordo com o que vimos em postagem anterior sobre definições, o conceito de força é não-eliminável na mecânica newtoniana formulada por McKinsey e colaboradores. Comentário análogo pode ser usado mesmo para uma força resultante não-nula. 


Em compensação, em 1894 Heinrich Hertz publicou um livro no qual se apresentava uma formulação para a mecânica newtoniana sem o conceito de força. Em função disso, em 1996 publiquei um trabalho no periódico alemão Philosophia Naturalis, onde desenvolvi uma formulação axiomática para a mecânica, inspirado nas ideias de Hertz. Uma versão modificada deste artigo e escrita em português está aqui.


Mais tarde mostrei, em parceria com um ex-aluno (no periódico estadunidense Foundations of Physics Letters), que minha formulação para a mecânica newtoniana sem força permitia deduzir as leis de Kepler dos movimentos planetários. Ou seja, a princípio é possível prescindir de força, dependendo da axiomatização adotada.


Em 2000, Max Jammer publicou o livro Concepts of Mass (Princeton University Press), seguindo o mesmo espírito de seu famoso Concepts of Space (com prefácio de Albert Einstein). Neste livro ele afirma (na página 24) que demonstrei em minha formulação para a mecânica de Hertz que, mesmo em axiomatizações da mecânica que evitam a noção de força, ainda precisamos do conceito de massa como primitivo. Na verdade jamais afirmei isso e sequer foi minha intenção sugerir tal ideia. Afinal, Heinz-Jürgen Schmidt (que Jammer equivocadamente se refere na obra citada como Hans-Jürgen Schmidt) desenvolveu uma axiomatização para a mecânica lagrangeana na qual ele efetivamente define massa inercial em termos de acelerações. O curioso é que na teoria de McKinsey e colaboradores, usando o mesmo Método de Padoa, é facilmente demonstrável que massa não pode ser definida e, portanto, não pode ser eliminada. 


No caso do conceito de massa, as discussões na literatura especializada parecem ser bem mais extensas do que aquelas sobre força. Os físicos comumente gostam de diferenciar conceitualmente massa inercial (responsável pela inércia dos corpos) de massa gravitacional (responsável por fenômenos de gravitação). Mesmo a famosa relação entre massa e energia (devida a Einstein) é comumente mal compreendida. Muitos ignoram que a noção de massa na teoria da relatividade restrita não é a mesma empregada nas formulações usuais da mecânica clássica não-relativística. 


Ou seja, a definibilidade dos conceitos de massa e força em física simplesmente depende da teoria em tela. Em suma, não se faz ciência sem qualificação de discurso.




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