Depoimento: Professores Cirurgiões
Matemática

Depoimento: Professores Cirurgiões



O texto que se segue é de autoria do Professor Marlon Soares, ex-aluno meu do Curso de Física da Universidade Federal do Paraná. Hoje ele é dono da empresa IEA - Soluções Educacionais.

Em 2011 fiz uma pesquisa com 500 alunos (um considerável espaço amostral) da 2ª série do ensino médio de uma grande escola particular de Curitiba. Dentre os itens da pesquisa, duas perguntas:


1. O que você espera do seu ensino médio?


2. O que você espera que esse colégio faça por você no ensino médio?


Diferente de outros itens da pesquisa, essas perguntas eram abertas justamente para que os alunos pudessem responder qualquer coisa.


As respostas dadas pelos alunos surpreenderiam muitos estudantes de licenciatura ou ainda alguns colegas de profissão que não são capazes de fazer uma boa leitura da educação no Brasil. 


Os resultados foram basicamente o seguintes:


1. Cerca de 95 % dos alunos respondeu que espera passar no vestibular


2. Cerca de 95% dos alunos respondeu que espera que o colégio os ajude a passar no vestibular.


E eu volto aos alunos e pergunto: É só isso o que vocês querem?


Olhando para os números, é possível compreender porque tantos professores que estão em sala de aula não querem saber de estudar a educação, muito menos investir em sua formação pós educação formal.


O problema começa lá atrás. A revolução industrial na Inglaterra do século XVIII gerou desemprego. Ao mesmo tempo havia a necessidade de se ter mão de obra qualificada para operar as máquinas. Aí então, o Estado cria uma instituição para "resolver os problemas". Uma instituição que daria uma formaçnao técnica o suficiente para os desempregados que assim poderiam voltar ao mercado de trabalho. Essa instituição que surge com uma função normatizadora da sociedade é chamada de ESCOLA.  Ao construir o currículo dessa escola, não seria muito interessante investir em formação humana. Temos então um currículo com excessiva dose de disciplinas técnicas. 


Falo para meus alunos sobre números hipotéticos, mas não longe da realidade da época:


- Imaginem ter 4 aulas semanais de Física, 4 de matemática, 4 de química, 4 de biologia, 5 de língua portuguesa (ou língua local) e literatura. Aí no tempo que sobrar colocam algumas aulas de História, Geografia. Ainda bem que hoje não é assim né?


Acredito que ainda resta esperança pois muitos alunos percebem a ironia da minha pergunta. A diferença é que hoje temos, por obrigação do MEC, uma aula semanal de sociologia e uma de filosofia.  


Michel Foucault, em seu livro Vigiar e Punir, fala sobre a existência de três únicas instituições nas quais, uma vez que se entra, não se pode sair espontaneamente: Hospício, Cadeia e Escola.


Isso não é mera coincidência. A estrutura arquitetônica da escola não é similar a de um presídio por acaso. Desde 1750 os alunos sentam uns atrás dos outros, como em linhas de montagem de uma fábrica. Tocam sinais para que os alunos saibam qual é o momento de ficar quietos, estudar, comer, levantar ou sentar. Diante deste quadro, fica fácil entender porque os alunos são UNIFORMIZADOS pelas escolas e porque eles são NUMERADOS.  


Olhem ao redor e vejam como as tecnologias transformaram o mundo dos transportes, das comunicações e até mesmo das relações humanas. Vejam como a computação vem transformando grandes e importantes áreas como a medicina, o direito, a segurança pública e até mesmo o lazer e o entretenimento. E quanto à escola? Jogam um projetor interativo de última geração na sala e acreditam que inovaram a educação.  O grande erro é que a maioria das instituições de ensino e também dos professores acredita que tecnologia na educação é para apresentar a mesma coisa de uma forma diferente. O problema já foi abordado por Todd Oppenheimer em seu livro: The Flickering Mind: The False Promise of Technology in the Classroom and How Learning Can Be Saved.


Aqueles que pensam um pouco sobre tudo isso devem concordar que seria uma enorme estupidez acreditar que dessas instituições saiam jovens com pensamento crítico e independente.  


Semanas atrás, para iniciar uma atividade complementar (valendo nota) com os alunos, eu precisava dividir a turma em grupos. Precisava de exatamente 15 grupos. Ao invés de gerenciar o processo de divisão dos grupos, resolvi fazer uma experiência. Entrei na sala e disse que a formação dos grupos seria feita por eles, sem minha interferência e, esta seria a primeira etapa dessa atividade avaliativa. Impus apenas algumas condições:


1. Preciso de exatamente 15 grupos.


2. O número mínimo de integrantes de cada grupo é 3.


3. Assim que os grupos estivessem determinados, uma folha deveria ser deixada sobre minha mesa com os nomes dos integrantes.


Dei aos alunos certa de 10 minutos e nesse tempo saí da sala (fiquei apenas observando a movimentação dos alunos pela janela).


Repeti a experiência em outras 9 turmas similares e, na maioria dos casos (curiosamente cerca de 95%) os alunos simplesmente foram montando seus grupos sem sequer saber quem estava montando grupos com mais ou menos pessoas. 


Resultado: Havia 18 grupos em algumas salas, 12 em outras e assim por diante. 


Quando retornei à sala, perguntei aos alunos como eles poderiam achar que isso funcionaria se eles sequer se comunicaram?


Apenas disse novamente: - Preciso de 15 grupos. Dei a eles mais 15 minutos.


A maioria das turmas conseguiu cumprir a difícil tarefa de formar 15 grupos, mas para algumas eu tive que dar uma ajuda.


Será que conseguimos entender então qual é a razão de os alunos não conseguirem formar grupos de 15 pessoas, de 95% deles esperarem de seu ensino médio apenas passar no vestibular e esperarem que a escola apenas os ajude com isso?


E os professores? O que têm feito? Nas poucas oportunidades que temos, nas pequenas janelas que se abrem neste "caos" todo, que possibilitam mudanças; a maioria dos professores não faz coisa alguma. E as mudanças não acontecem porque temos um bando de professores reféns das instituições, medrosos e que nem sabem direito o que estão fazendo na sala de aula. 


Diante da possibilidade de confrontar a tradição que vem formatando os alunos, alguns professores dizem: "Não posso me revoltar contra o sistema de ensino e arriscar perder o emprego, porque eu tenho um filho pra criar" 


Para todos esses e aqueles que tem pensamento similar eu digo: 


- Quando seu filho tiver 18 anos de idade, você olha bem nos olhos dele e pede desculpa... pede desculpa por ele ter tido uma m%$#% de educação. Pede desculpa por você ter contribuído para ele ser um tapado. Diz pra ele que isso aconteceu porque o pai dele foi um frouxo... porque o pai dele tinha emprego na educação e não uma profissão. Porque o pai dele não teve coragem pra fazer P&$$@ alguma coisa para mudar as coisas.


As salas de aula (sejam de universidade ou de ensino médio) estão entre os lugares mais estranhos da nossa sociedade. Explico. Quando você vai ao médico, a um médico profissional, ao entrar na sala para consulta, ele pergunta o que você tem, o que está sentindo, há quanto tempo tem exibido os sintomas. Depois disso ele pode sugerir uma medicação, pedir mais exames para se certificar de qual tratamento ministrar. De certa forma, podemos dizer que o ponto máximo do tratamento seria uma intervenção cirúrgica.


Já quando você vai para escola, ao entrar na sala, ninguém pergunta o que você quer, o que você já sabe, o que quer saber, como você está. Já vão te dando "remédio". Os professores em geral simplesmente vomitam todo aquele conteúdo na cabeça dos alunos. Na escola, damos remédios sem saber pra quê. Combatemos doenças que sequer soubemos diagnosticar ou perceber sintomas.


Como se não bastasse a alienação, falta de profissionalismo daqueles professores estúpidos que fazem isso, o que mais me incomoda é que os alunos aceitam tudo isso calados.


Pensa comigo. Você entra em um consultório médico. Admita, por hipótese, que foi lá porque está doente (seja lá o que isso signifique). Você senta na sala do médico e ele diz pra você:


- Bom, então vamos operar este joelho!


Como assim, operar o joelho po%%@?


Tenho certeza que nenhum paciente deixaria isso acontecer no consultório médico.


Então porque deixam acontecer na sala de aula?


95% dos alunos da minha pesquisa tiveram seus joelhos operados. E o pior é que acreditam estar curados de uma doença que fizeram eles acreditar que tinham. E os médicos responsáveis pela cirurgia não fazem a menor ideia da estupidez que fizeram.
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Nota do Administrador deste blog: Para uma resenha de livro do autor desta postagem basta clicar aqui.




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