Matemática
Energias alternativas O que fazer quando o petróleo acabar?
Usina nuclear de Angra dos Reis (RJ)
Fala-se no colapso de nossa civilização do petróleo desde a primeira crise de 1973, quando os preços internacionais do óleo cru dobraram. O conteúdo das discussões variava então dos alertas sobre a necessidade urgente de se descobrirem fontes alternativas de energia ao catastrofismo dos que previam para as próximas décadas um penoso retorno da humanidade ao modo de vida da Idade Média.
Como o assunto nunca mais saiu da moda, até hoje assistimos a apresentação das últimas descobertas quanto à substituição do petróleo, sendo alguns projetos tão mirabolantes que parecem tirados da literatura de ficção científica.
A realidade é bem menos glamurosa, e também, felizmente, menos preocupante. As reservas de petróleo atualmente comprovadas devem durar pelo menos mais 50 anos, sendo interessante lembrar que os preços internacionais do petróleo variam de modo inversamente proporcional às estimativas destas reservas comprovadas, razão para os países produtores serem modestos quanto a tais estimativas.
Além disto, o planeta é grande o bastante para que sempre seja possível a descoberta de novas grandes jazidas, que podem adiar o esgotamento dos poços para o próximo século ou mesmo além.
Energias alternativas ao petróleo
Para a decepção dos que alimentam a esperança de comprar um automóvel movido a antigravidade ou coisa parecida, as soluções mais viáveis para substituição do petróleo já estão disponíveis e a maioria delas é conhecida há mais de 50 anos. O desafio da substituição do petróleo está em se desenvolver fontes alternativas razoavelmente abundantes, baratas e ambientalmente seguras para:
* Acionar centrais térmicas para produção de energia elétrica;
* Prover combustíveis industriais;
* Prover combustíveis automotivos;
* Prover matérias primas derivadas para a petroquímica.
As opções atualmente consideradas mais viáveis para suprir estas necessidades passam longe de qualquer solução miraculosa, a começar do fato de o substituto imediato mais provável para o petróleo ser o petróleo.
Não há erro de digitação no parágrafo acima. Quando se fala em esgotamento das reservas de petróleo, o assunto quase sempre se refere ao óleo cru convencional, extraído por bombeamento dos leitos rochosos.
Petróleo não convencional
Pouco se fala sobre as formas não convencionais de petróleo, as areias e xistos betuminosos, de mais difícil obtenção e refino que o petróleo convencional, mas que são economicamente viáveis para exploração em larga escala quando o petróleo convencional escassear.
Considerados as areias e xistos betuminosos, as reservas de petróleo mundiais, convencional e não convencional, mais do que dobrariam, o que nos níveis atuais de consumo garante o prolongamento da era do petróleo até o século 22, pelo menos.
Além disto, quando se fala das reservas de petróleo, geralmente não se somam os números relativos às reservas de gás natural, cuja prospecção, produção e utilização mundial cresceram muito desde a primeira crise do petróleo, ao ponto de rivalizar com ele em uma série de aplicações.
Gás natural
A recente crise entre o Brasil e a Bolívia se dá pelo fato de o gás natural ser hoje o principal propulsor da indústria paulista, que passou a utilizar o gás em quase todos os seus queimadores de caldeiras antigamente movidos a óleo combustível BPF, derivado do petróleo.
O gás natural também é o substituto mais viável para a nafta, derivado do petróleo que é transformado nas centrais petroquímicas responsáveis pela produção das chamadas olefinas - etileno, propileno e butadieno - matérias primas dos polímeros sintéticos, os plásticos tão presentes e necessários no nosso dia a dia.
E já que falamos em plásticos, todo mundo conhece o álcool e o biodiesel como combustíveis alternativos genuinamente brasileiros. É interessante lembrar que o etanol e os óleos vegetais também podem ser utilizados na fabricação de plásticos.
Gasolina sintética
Outro alternativa ao petróleo, conhecido e usado desde a Segunda Guerra Mundial é a gasolina sintética ou nafta sintética, que pode ser utilizada tanto como combustível como matéria prima petroquímica na obtenção de plásticos e outros produtos da cadeia de transformação de petróleo.
A gasolina sintética pode ser obtida do carvão, o qual, por falar nele, também é um combustível substituto barato e abundante. Como vimos até aqui, a maioria das funções desempenhadas hoje pelo petróleo podem ser substituídas por outros hidrocarbonetos minerais ou similares de origem vegetal.
Mas há uma outra alternativa energética já tida como economicamente viável, a dobradinha hidrogênio/energia nuclear. Quando a energia nuclear foi revelada ao mundo em 1945, junto com o assombro com a explosão em Hiroshima, veio a esperança de que aquela revolucionária fonte de energia resolveria todos os problemas da humanidade.
Energia nuclear
Alguns livros de ficção científica da década de 1950 previam um futuro próximo onde até os cinzeiros domésticos disporiam de artefatos nucleares que desintegrariam as cinzas dos cigarros ao invés de simplesmente coletá-los.
Ao longo da segunda metade do século 20 a produção de energia nuclear passou a sofrer forte oposição política, que a acusava de ser cara, perigosa e suja, o que inibiu uma visão de futuro em que as usinas atômicas fossem a principal fonte de geração de energia.
Na verdade, o uso disseminado da energia atômica só é perigoso do ponto de vista militar, uma vez que pode permitir a proliferação das armas nucleares entre governos não confiáveis pelo mundo afora.
Fora isto, o custo do kWh atômico é mais caro que o obtido pela queima de combustíveis fósseis ou por hidrelétricas, mas é mais barato que a maioria das outras fontes alternativas e completamente viável do ponto de vista econômico.
Segurança e lixo atômico
Quanto aos riscos ao meio ambiente, o lixo atômico gerado pelas centrais nucleares é contado em quilos, enquanto os resíduos provenientes da queima de combustíveis fósseis são da ordem de milhões de toneladas.
Quanto à segurança das operações nucleares, é possível traçar uma analogia com a aviação, que é sabidamente segura, mas onde os raros acidentes geram desastres de grandes proporções e comoção geral, como foi o caso de Chernobyl, na Ucrânia, então parte da antiga União Soviética.
Hidrogênio
Do ponto de vista técnico, a opção nuclear por si só já estaria no páreo dos substitutos do petróleo para a produção de energia elétrica. Esta posição é reforçada pelos novos projetos para obtenção de hidrogênio a partir do uso da energia nuclear.
O hidrogênio é a substância mais abundante do universo e um combustível limpo que produz como resíduo apenas água. Seria a melhor opção como fonte energética se não fosse o fato de que ele só se encontra disponível na natureza na forma de compostos, como a água, por exemplo.
Podemos obter H2 a partir da hidrólise da água, mas isto demanda grandes quantidades de energia na forma de calor para romper as ligações moleculares com o oxigênio, o que inviabilizava o processo por muitas vias convencionais tentadas.
Como as fissões nucleares podem fornecer calor praticamente ilimitado, seu aproveitamento na obtenção de hidrogênio representa uma das opções mais baratas para a obtenção deste combustível que no futuro poderá ser usado em larga escala nos veículos automotores. Isto se os automóveis elétricos não ganharem a corrida das tecnologias alternativas para o motor a combustão, um velhinho com mais de cem anos.
Transição civilizada
Por tudo isto, considerados apenas as tecnologias já dominadas e os recursos já disponíveis, o mundo pode administrar uma transição da civilização do petróleo para um outro modelo de uma forma muito gradual, sem grandes choques ou rupturas.
Se colocarmos na equação todas as possibilidades ainda por descobrir e desenvolver, as expectativas se tornam ainda maiores.
Os catastrofistas que me desculpem, mas o melhor modo que encontro de representar esta transição é parafraseando T. S. Elliot: A era do petróleo não terminará com um estrondo, mas com um suspiro.
*Carlos Roberto de Lana é engenheiro químico e professor.
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