Liberdade - Resultado da Experiência Social
Matemática

Liberdade - Resultado da Experiência Social



No dia vinte e oito de junho último propus uma experiência social na forma de concurso público. O concurso era baseado em uma suposta habilidade minha de prever o futuro por meios não racionais. E o prêmio era uma fração do prêmio máximo da Mega Sena que uma suposta amiga minha ganharia.

Pois bem. Neste site já usei diversos recursos para avaliar o perfil dos leitores deste blog. Um dos recursos (que já abandonei) foi uma bateria de enquetes realizadas ao longo dos três primeiros anos de existência do blog Matemática e Sociedade. Outro é o sistema de avaliação para as postagens, colocado ao final de cada texto publicado. 

Preciso conhecer o perfil dos leitores, com especial atenção àqueles que raramente (ou jamais) comentam postagens. É uma forma de avaliar sobre o que precisa ser feito para ajudar a alavancar a educação em nosso país. 

O que motivou o suposto concurso público foi um inquietante fato. O número médio de visualizações por postagem neste site é de 1348. Este dado foi obtido ignorando-se a postagem sobre as universidades federais expostas em Scientific American Brasil, que é totalmente atípica, somando 20520 visualizações. Como a décima postagem mais visualizada (entre 187) tem 1363 visualizações (valor muito próximo da média acima), isso significa que o blog tem crescido rapidamente em termos de acessos. No entanto, o número médio de comentários é de 15,3. E, entre as 25 últimas postagens, apenas quatro tiveram mais comentários do que a média global do blog. Portanto, apesar de mais gente estar lendo o blog, menos pessoas têm comentado. Por quê?

Ainda não sei ao certo. Mas uma das quatro postagens comentadas acima da média (que menciono no parágrafo acima) é justamente aquela sobre a experiência social na forma de concurso público.

Pessoas próximas a mim acharam que eu receberia muitos e-mails de participantes. Ao todo recebi apenas oito inscrições (se forem computados somente os e-mails que recebi em [email protected]). 

Como já salientei, outros concursos foram promovidos aqui. Aquele que teve menos participantes foi justamente um que exigia uma redação: um único concorrente, que era um jovem de 19 anos.

Espero que os oito leitores participantes da última promoção deste blog perdoem minha iniciativa. Nenhuma das pessoas próximas de mim participa de jogos de azar. Portanto, a premissa da postagem sobre a experiência social é falsa. Pela primeira vez postei um texto deliberadamente baseado em falsas premissas.

Os dados pessoais daqueles que enviaram e-mails são rigorosamente sigilosos e não serão divulgados em hipótese alguma. No entanto, preciso fazer um alerta sobre o conceito de liberdade, que é cabível tanto aos participantes do concurso quanto aos demais leitores.

Em filosofia existe uma distinção entre liberdade positiva e liberdade negativa. Liberdade negativa é a ausência de obstáculos, barreiras ou restrições. Já a liberdade positiva é definida a partir do real poder de cumprir potencialidades e controlar ações e destinos. 

Raras pessoas vivenciam momentos de liberdade negativa, a qual pode ser conseguida a partir de condições extremamente favoráveis caracterizadas por considerável ausência de restrições. Como dinheiro tem uma força social muito marcante, quantias ilimitadas deste recurso (e facilmente disponíveis) podem eliminar inúmeras restrições naturalmente impostas pela vida. No entanto, como já foi salientado, poucas pessoas encontram fontes (praticamente) ilimitadas de dinheiro à sua disposição. A realidade da maioria das pessoas é definida por restrições, comumente severas.

Mas as restrições mais marcantes não se referem a recursos financeiros. Isso porque a liberdade positiva pode incluir a liberdade de restrições internas, as quais são muito frequentes em indivíduos. E uma das restrições internas mais comuns é o medo de expor publicamente as próprias ideias.

Arrisquei muito com a postagem sobre a experiência social na forma de concurso público. Arrisquei com a possibilidade de ser mal interpretado tanto por leitores participantes quanto por leitores passivos. Mas a única forma de perturbar a passiva ordem brasileira que define nosso sistema educacional é através de riscos. E o que sempre espero é que mais pessoas se arrisquem. Que se arrisquem a falar, ainda que sejam criticadas. Que se arrisquem a agir, ainda que errem. Que se arrisquem a errar, ainda que aprendam. 

Aqueles que participaram do concurso, arriscaram. E, portanto, viveram (ainda que por alguns instantes). Aqueles que não participaram, devem avaliar seus motivos. Mas devem também avaliar suas ações e inações em outros contextos mais amplos.

Perturba-me muito o fato de que a postagem sobre a crise na USP tenha apenas 962 visualizações e seis comentários. Afinal, o autor (professor da própria USP) não apenas faz uma avaliação precisa sobre a gravíssima crise na melhor universidade do país (e que se estende a todas as universidades públicas) como também apresenta uma proposta de mudança arriscada mas realizável. O autor se expôs de maneira extremamente arriscada entre seus colegas de profissão, não apenas na USP mas também em órgãos de fomento. E tal postura inegavelmente pode lhe custar muitas oportunidades até mesmo para a obtenção de bolsas e demais estímulos à sua produção intelectual. E, apesar disso, o texto sobre a crise na USP é reproduzido no site do próprio autor e no blog de outro colaborador de Matemática e Sociedade. No entanto, ainda se percebe na internet a dominação de discursos superficiais sobre a crise na USP, mantendo as pessoas em uma zona de conforto que se resume a duas visões imaturas: 1) A crise na USP é apenas local e temporária e 2) A crise na USP se resume à má administração de recursos financeiros.

A verdade é que a crise na USP é um retrato claro do domínio do medo em nosso país. É o medo de questionar, de agir, de competir, de inovar. É o medo da auto-crítica.

Mais importante do que apostar em sonhos com a Mega Sena é apostar no emprego das próprias potencialidades para mudar tanto a realidade individual quanto a realidade social que vivemos. Mais importante do que se deixar vencer pelo medo de escrever, falar e agir é escrever, falar e agir. Mais importante do que esperar pela liberdade negativa é investir na liberdade positiva. 

A proposta do professor Carlos de Brito Pereira, a meritocracia radical, deve ser levada a sério. E não se leva uma proposta a sério apenas com leitura, mas com divulgação, discussão e, principalmente, ação. 

Vamos apostar sim. Mas vamos apostar em nossas potencialidades. Potencialidades o brasileiro tem de sobra. O que falta é atitude. Os erros mais marcantes em nosso país têm sido caracterizados por inércia e não por ações fracassadas. Se for para este país afundar de uma vez por todas, que seja por erros cometidos por ações. Mas chega de inércia!

Por isso, leitor, a hora é agora: o que você tem feito pelo Brasil?





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