Matemática
Manual de sobrevivência para o próximo Brasil
Algumas pessoas têm insistido para que eu divulgue conteúdos usualmente abordados neste blog na forma de vídeos. Pensei bastante sobre o assunto e decidi que não farei isso em momento algum. O público-alvo naturalmente definido por este fórum é um público restrito, de indivíduos que pensam, leem e eventualmente agem em benefício de um bem comum. Como os temas usualmente abordados aqui orbitam em torno de educação, não vejo benefício algum em qualquer tentativa de aumentar o público-alvo para atingir aqueles que têm preguiça de ler, pensar e agir. Tendo isso em mente, esta postagem é destinada ao mesmo público de sempre. E o tema aqui é o Brasil dos próximos anos.
O Brasil corre o risco muito real de afundar. Mas isso não significa que você, leitor, precise afundar junto. Nos próximos parágrafos discuto de forma mais detalhada as principais causas do negro futuro que sonda nossa nação e as ações que os cidadãos pensantes podem e devem tomar se insistirem em viver por estas terras.
São dois os principais motivos para o fracasso do Brasil enquanto país:
1) A cultura do povo brasileiro.
2) O fato do Brasil ser uma colônia de Brasília.
O brasileiro típico é uma pessoa ingênua, incapaz de perceber a importância social e individual da educação e do senso crítico sustentado em conhecimento científico sólido. É uma pessoa que confunde trabalho com ocupação, pois não percebe que todo trabalho deve produzir algo socialmente relevante e que garanta o futuro das novas gerações. Aquele que é empregado e somente consegue garantir a própria sobrevivência não está produzindo. E aquele que sustenta seus filhos com o propósito de que a nova geração apenas perpetue a mesma realidade de hoje está destruindo o futuro da nova geração. Afinal, não existe futuro no presente.
Apesar de ser um indivíduo que não sabe produzir, o brasileiro típico é um ávido consumidor. Consome produtos de limpeza em forma não concentrada, encarecendo custos com logística e consequentemente o produto final. Compra por 140 reais discos de vinil que custam 12 dólares nos Estados Unidos. Consome pasta de dente Colgate (americana), computador Sony (japonês), carro Fiat (italiano), ignorando o fato de que consumo sem produção é uma situação insustentável. Consome horas de Facebook sem ser capaz de abrir uma noz. Consome seu próprio país e, portanto, é autofágico.
O brasileiro típico estuda em escolas para sustentar seu consumo. Alunos de último período do curso de matemática da Universidade Federal do Paraná (onde leciono) não conhecem temas básicos de matemática do ensino médio, não sabem ler fórmulas matemáticas simples e, quando indagados, disseram que devem existir cerca de trinta periódicos especializados em matemática, quando na verdade existem mais de dois mil. Ou seja, o que motiva o aluno de hoje é o emprego de amanhã. E é só isso! E o emprego serve apenas ao propósito de atender a sonhos de consumo daqueles que nada produzem.
Diante desta realidade cultural e da insana administração do governo federal, o consumo está caindo em nosso país. Empresários imploram para que o governo interfira menos na economia. No entanto, a classe empresarial usa os mesmos métodos reacionários contra empregados ou pelo menos permite que essas estratégias sejam usadas dentro de suas próprias empresas. Basta conversar com atendentes em lojas de shopping centers, frentistas de postos de gasolina e professores de instituições privadas de ensino para compreender esses mesquinhos mecanismos de controle.
A recessão econômica mundial demorou para atingir o Brasil por conta de seu isolamento social, econômico, tecnológico e cultural. Mas está finalmente chegando. O amado futebol (que provoca sensação de glória e vitória sobre aqueles que apenas torcem, sem jamais jogarem seriamente) já não mais convence, pois uma seleção europeia demonstrou (na última Copa do Mundo) que compromisso e competência podem existir até mesmo neste esporte.
E para completar o quadro cultural temos o recente escândalo de corrupção da Petrobras, envolvendo governadores, senadores, deputados federais e pelo menos um ministro. Um dos envolvidos chegava a vender sentenças judiciais no estado de São Paulo, enquanto eu me escandalizava com o tráfico de diplomas universitários em nosso país.
Mas finalmente a inflação está retornando, as cadernetas de poupança estão esvaziando, o PIB está estagnando, a inadimplência está crescendo, o consumo está caindo e a incerteza está se disseminando com a campanha eleitoral na qual nem mesmo o presidenciável morto em circunstâncias primárias escapa das garras da Polícia Federal, um dos últimos órgãos públicos que ainda funciona com competência tolerável.
Com relação ao segundo problema acima listado, é importante observar o seguinte. Brasília é uma cidade fisicamente afastada de outros grandes centros urbanos, com um histórico de extermínio de operários e famílias de operários que construíram aquela cidade, e com uma estrutura urbana e social que a coloca em claro contraste com todo o restante do país. Deputados, senadores, ministros, secretários e Presidente da República não ficam apenas fisicamente afastados da realidade brasileira (conhecida superficialmente em campanhas eleitorais e cerimônias de inauguração), mas também socialmente distantes de problemas e soluções reais. Como o Distrito Federal, nestas condições, concentra todo o poder centralizador que afeta desde empresários até estudantes de escolas públicas, não há outra maneira de ver esta situação a não ser como o domínio de um colonizador. O Brasil é, de fato, refém de Brasília, um território alienígena no coração (meramente geográfico) de nossa nação.
Por que a Índia se libertou do domínio britânico? Porque a realidade britânica era alienígena em relação à indiana. Indianos estão melhor qualificados para lidar com a realidade indiana do que britânicos. Por que o Brasil se libertou de Portugal? Porque Dom Pedro I, membro da nobreza colonizadora, comprou a independência contraindo dívida com britânicos. Ou seja, jamais vivemos qualquer movimento social marcante de luta por independência. Jamais lutamos enquanto nação. Apenas nos conformamos.
Mas agora é uma boa hora para pensarmos no que deve ser feito se o governo federal perder a capacidade de governar uma sociedade justa e em desenvolvimento.
Golpes de Estado não são soluções confiáveis. Lutas armadas? Não no Brasil. Não com este povo tão pacato, conformado e ignorante e desonesto o bastante para ser incapaz de governar e ser governado. É necessário que se pense em alternativas mais realistas para a eventual não governabilidade do Brasil.
O que fazer se o caos social reinar de uma vez por todas em nosso país? O que fazer quando as taxas de desemprego forem às alturas? O que fazer quando a classe média for esmagada pela incompetência e corrupção governamental e pela cultura consumista unidimensional que a define?
A primeira coisa a ser feita é aceitar a realidade brasileira. Se você for tupiniquim, interpretará esta afirmação como uma postura de conformismo. Mas se for uma pessoa com um mínimo de bom senso, certamente será incapaz de se conformar com a negra situação que ameaça nossas terras como um tsunami econômico-social.
Aceitar a realidade brasileira jamais significa se conformar com ela. Isso porque o brasileiro típico já é uma pessoa conformada. E é justamente isso que o impossibilita de aceitar a realidade em que vive.
Aceitar a realidade consiste no genuíno e honesto reconhecimento de sua própria responsabilidade sobre o caos que nos ameaça. Se o caos se instalar é porque você, como todos os demais, nada fez para mudar a medíocre realidade que o viabilizou. Ou seja, chega de reclamar! Chega de repetir os brasileiríssimos jargões "o país da impunidade", "o país do jeitinho", "o país do carnaval e do futebol", "todo político é corrupto" etc..
Deixe que os outros reclamem. A maioria continuará reclamando perpetuamente, jogando a culpa uns sobre os outros, até o dia em que silenciarem sete palmos abaixo da terra. Mas você, leitor, pode e deve agir de forma diferente.
Se o Brasil é colônia de Brasília, então intimide o colonizador com uma atitude real. Colonize esta terra!
Se você é um profissional da saúde, use suas qualificações profissionais para levar saúde a pequenos municípios que precisam de seu trabalho. Esqueça o SUS (Sistema Único de Saúde)! Esqueça o conceito de salário! Negocie diretamente com os habitantes desses municípios! Crie suas próprias associações de moradores! Invista no bem social! Sua qualidade de vida melhorará consideravelmente, uma vez que pessoas precisam de pessoas, independentemente de serem brasileiros ou não.
Se você é um educador, leve educação para quem não a tem! Os centros urbanos estão abarrotados de jovens com oportunidades que são literalmente jogadas fora. Esqueça essa gente! Procure quem sonha com educação, quem sonha em crescer e fazer crescer.
Se você não se enquadra nas categorias acima mencionadas, seja criativo. Qualifique-se! Construa algo!
Enquanto houver internet no Brasil, divulgue suas experiências sociais e profissionais promovidas em municípios pequenos, em vilarejos, em aldeias. Inspire outros com o seu exemplo.
Eu mesmo já planejo esta estratégia há algum tempo. Quando a hora chegar, estarei lá, no meio do mato ou do sertão, fazendo aquilo que é tão estranho ao povo brasileiro como um todo: trabalho.
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