Matemáticos lentos
Matemática

Matemáticos lentos




O mais importante prêmio em matemática é a Medalha Fields. Mas, diferentemente do Prêmio Nobel, que abrange áreas científicas como medicina, física e química, a Medalha Fields tem um limitante de idade. Esta premiação jamais pode ser entregue a matemáticos com mais de quarenta anos. Existe, nesta iniciativa, uma boa intenção: o estímulo aos mais jovens, para produzirem matemática de alto nível. Mas há também uma visão perigosamente estreita sobre produção científica, a qual pode levar a crer que todas as grandes contribuições em matemática são feitas por mentes campeãs nos "cem metros rasos". No entanto, há uma respeitável quantia de matemáticos importantes com o perfil mais próximo de maratonistas. 

Espero que o leitor não entenda mal o que critico aqui. Prêmios não são o mais importante estímulo para alguém fazer matemática. É a ciência em si que realmente estimula matemáticos e também aqueles que desejam fazer matemática. No entanto, este limitante de idade na Medalha Fields definitivamente influencia políticas de estímulo no estudo e desenvolvimento desta ciência formal. Muitos exemplos são encontrados nas inúmeras olimpíadas de matemática em nosso país e fora do Brasil. Outros são encontrados em instituições de alto nível, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Se um jovem estudante não demonstrar rapidamente a capacidade de desenvolver matemática de forma ágil, ele muito provavelmente será descartado pelo IMPA. Já vi isso acontecer muitas vezes. 

Neste contexto, a expressão "Olimpíadas de Matemática" não deixa de ser irônica. Afinal, nos Jogos Olímpicos existem ambas as modalidades de corrida: cem metros rasos e maratona olímpica. Cito o fenomenal exemplo de Joan Benoit Samuelson, campeã da primeira maratona olímpica feminina, realizada em 1984. Atualmente, com 57 anos de idade, ela ainda participou da Maratona de Boston, nos Estados Unidos. Quantos corredores de cem metros rasos realizaram uma façanha dessa natureza? 

O que apresento a seguir é uma modesta lista de matemáticos que não tiveram tanta pressa. Espero que esta lista sirva de estímulo para todos aqueles que sonham com o desenvolvimento de importantes avanços matemáticos, mesmo que não tenham a capacidade de resolver rapidamente problemas difíceis nesta área do conhecimento. 

Godfrey Harold Hardy foi um matemático britânico de grande destaque e que defendia a ideia de que os últimos anos da vida profissional de um matemático seriam mais proveitosos escrevendo livros. Na visão de Hardy, matemática é uma atividade para jovens. Na lista abaixo é possível encontrar contra-exemplos para essa visão. 

Joan Birman (coincidência, não?) concluiu sua graduação em matemática aos 21 anos e o mestrado aos 23. No entanto, houve um considerável intervalo de tempo entre o término do mestrado e o início do doutorado. Foi somente aos 41 anos de idade que ela se doutorou no Instituto Courant. À primeira vista isso soa como uma carreira acadêmica sem consistência, sem continuidade honesta. No entanto, hoje ela é uma das mais conhecidas algebristas ainda em atividade. Com seus 88 anos de idade, Birman é professora emérita da Universidade Columbia, em Nova York. Com quase oitenta artigos científicos publicados desde a conclusão de seu doutorado, ela conquistou diversos prêmios nos Estados Unidos, Itália, Reino Unido, França e Israel. E é atualmente bolsista da Simons Foundation. Birman também orientou vinte e uma teses de doutorado, estendendo seu legado científico para as novas gerações.

Alice Roth se doutorou aos 33 anos, em 1938. Em sua tese, Roth apresentou um exemplo de espaço compacto (conceito central em topologia) com importantes implicações na teoria de aproximações. No entanto, apesar de um certo furor temporário em seu país natal (Suíça), este resultado caiu no esquecimento. Ela abandonou a pesquisa e se tornou professora de ensino básico. O mesmo resultado da tese de doutorado de Roth foi redescoberto posteriormente e de maneira independente na década de 1950, por um matemático russo. Foi quando Alice Roth se aposentou, aos 66 anos de idade, que ela decidiu retornar à pesquisa. O resultado foi uma sequência de quatro artigos importantes sobre teoria de aproximações, sendo que apenas um foi escrito em parceria. Em virtude disso, aos 70 anos, ela foi convidada para apresentar uma palestra na Universidade de Montreal. Dois anos depois morreu de câncer.

Karl Weierstrass é um dos exemplos históricos mais marcantes de indivíduo que começou a se dedicar muito tarde aos estudos de matemática. Seu pai o forçou a estudar lei e comércio, durante a sua juventude. Weierstrass faltava às aulas na Universidade de Bonn, recebia notas muito baixas em avaliações e era um ávido consumidor de cerveja. Retornou para casa sem título algum. Para se sustentar financeiramente, começou a lecionar matemática, física, botânica, alemão e até ginástica para crianças de escolas em cidades pequenas. Mas aproveitou as suas noites para procurar contato com diversos intelectuais, incluindo o matemático Niels Henrik Abel. Aos 39 anos finalmente publicou seu primeiro artigo de matemática, sobre funções abelianas. Resultado: tornou-se o mais importante analista de sua época. Hoje o nome de Weierstrass é um dos pilares da análise matemática. O teorema que leva o seu nome foi demonstrado quando Weierstrass tinha 70 anos.

Muito famosa é a carta de recomendação que Stephen Smale recebeu de Raymond Wilder, então Presidente da American Mathematical Society. Wilder considerava Smale um aluno medíocre que, repentinamente, se revelou como uma boa promessa. Na carta de recomendação Wilder explica essa transformação como consequência do recente casamento de Smale. Chega até mesmo a tecer significativos elogios à esposa de seu conhecido aluno. Essa é uma percepção muito interessante, pois se refere a uma forma de estímulo pessoal. O resultado é bem conhecido: Smale conquistou a Medalha Fields, em virtude de suas fenomenais contribuições em topologia.

Eugène Ehrhart concluiu o ensino médio aos 22 anos! Isso sim soa como um caso de mediocridade intelectual! Foi professor de matemática em escolas francesas de ensino médio durante décadas. Investia em pesquisas matemáticas apenas por prazer, sem se preocupar com publicações. Obteve seu doutorado aos 60 anos de idade. Foi nesta época que ele realizou suas contribuições mais importantes na interface entre álgebra e geometria. Para detalhes, ver o polinômio de Ehrhart.

O romeno Preda Mihailescu obteve seu doutorado aos 42 anos. Mas foi somente aos 47 anos de idade que ele provou a Conjectura de Catalan, um problema sobre equações diofantinas que ficou em aberto durante 158 anos.

Aos 59 anos o engenheiro Kurt Heegner publicou um artigo sobre teoria dos números que somente foi reconhecido como essencialmente correto e de extrema importância quase duas décadas depois. Este reconhecimento a respeito de seu único artigo publicado sobre teoria dos números ocorreu quatro anos após a sua morte.

Uma das mais conhecidas contribuições de Andrei Kolmogorov foi realizada quando ele tinha 54 anos, ao resolver uma das possíveis interpretações do décimo terceiro problema de Hilbert. Na mesma época ele criou aquilo que hoje se conhece como teoria da complexidade de Kolmogorov. 

Outros nomes poderiam ser citados aqui, como Leonhard Euler, Marina Ratner, Sergei Novikov, Oscar Zariski, entre muitos. A questão é que o conhecimento sobre o passado também é uma forma de alimentar esperança sobre o futuro.




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