Matemática
O berço escuro do tempo
Novo modelo científico proposto pelo físico Nikodem Poplawski sugere que o Universo está dentro de um enorme buraco negro, que parou de se contrair e se expandiu violentamente
Das inúmeras expressões que a linguagem cotidiana toma emprestadas das ciências naturais, "buraco negro" talvez seja uma das mais felizes, pois reproduz com certa precisão seu significado físico: um objeto astronômico tão maciço e denso que a atração gravitacional por ele exercida engole tudo à sua volta, até mesmo a luz.
Uma teoria recentemente ressuscitada -com aprimoramentos- propõe que esses sorvedouros cósmicos podem parar de se contrair e, então, expandir-se violentamente, dando origem a outros universos -como o nosso. Se os modelos e equações do físico teórico polonês Nikodem Poplawski estiverem certos, a explicação poderia contribuir para desvendar um dos maiores mistérios da física: por que o tempo só corre numa direção linear, ou seja, para a frente?
Não é de hoje que buracos negros suscitam polêmica. A ideia de uma imensa mancha negra no Universo começou a ser discutida ainda no século 18, mas o termo foi aplicado pela primeira vez dois séculos depois. O criador da expressão é o astrofísico John Wheeler, que, no entanto, não assume sua autoria completamente. Wheeler dizia que o termo "buraco negro" teria surgido durante uma aula no final da década de 60 -algum estudante soltou essa expressão quando ele falava sobre estrelas em colapso.
O conceito tem sido debatido intensamente por teóricos célebres como Stephen Hawking, que descobriu, pouco depois de o termo ter sido criado, que os buracos negros podem emitir radiação (ou seja, não são totalmente negros). A relação entre buracos negros e a origem da vida (e do Universo) também começou a ser especulada pela ciência há algumas décadas.
O físico Raj Pathria, por exemplo, criou um modelo que tratava o Universo como um buraco negro. O conceito foi aprimorado por cientistas que vieram depois, como John Richard Gott, que, em 1998, publicou uma teoria que relacionava a origem dos buracos negros e dos Universos.
Recentemente, um novo cientista ("novo" também porque ele tem apenas 35 anos) sacudiu a comunidade internacional de cosmólogos. Em dois estudos publicados neste ano, o polonês Nikodem Poplawski afirma que um enorme buraco negro que parou de se contrair e começou a se expandir violentamente teria dado origem a este Universo -que, por sua vez, está dentro dele. E essa nova concepção de formação do espaço explicaria por que o tempo corre em apenas uma direção.
Filho de artistas, nascido em Torun -mesma cidade natal do astrofísico e matemático do século 15 Nicolau Copérnico (o autor da teoria heliocentrista, ou seja, a que afirmou pela primeira vez que a Terra girava em volta do Sol e não o contrário)- Nikodem Poplawski começou a se interessar pelas "ciências duras", como a química e a física, quando ainda era criança. Hoje faz pós-doutorado na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. "Quero entender a origem do Universo, a origem das partículas, a seta do tempo", explica.
Os trabalhos de Poplawski foram publicados na "Physics Letters B", uma das mais importantes revistas internacionais sobre física nuclear e de partículas, e no Arxiv da biblioteca eletrônica da Universidade Cornell (EUA). Arxiv é uma espécie de espaço virtual de debates científicos, que podem acontecer entre estudantes de graduação até os mais altos escalões do meio acadêmico.
Especialmente em áreas experimentais, como a física, a publicação no Arxiv funciona bem e é mais ágil do que as publicações em revistas científicas convencionais, cujo processo de aprovação de um artigo pode levar de um a dois anos, desde o seu recebimento.
No Arxiv, por exemplo, o artigo do polonês já rendia cerca de 200 extensos comentários, textos e indicações de leitura de cientistas que interagiam entre si e criavam novas perguntas -todas com cunho científico (quando um debate vira uma conversa "informal" e pouco científica, a repressão dos usuários do Arxiv é grande).
A ideia proposta por Poplawski nessas duas publicações confronta, de certa maneira, a teoria do Big Bang, que define que o Universo teria surgido a partir da expansão de uma grande concentração de massa e energia há 13,7 bilhões de anos. É a teoria que tenta explicar a origem do Universo mais aceita na atualidade.
Para os críticos da ideia do Big Bang como origem de tudo, a simples identificação de um momento como o "começo" do Universo é uma proposta irracional. No Brasil, um desses críticos é o físico Mário Novello, pesquisador e professor titular no Instituto Brasileiro de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, e autor de "Do Big Bang ao Universo Eterno" (Zahar).
Para Novello, caso existisse um "começo singular", o Universo não admitiria uma explicação racional para toda a sua história. Afinal, trata-se de um contexto em que, por exemplo, há uma temperatura infinita e uma densidade infinita. Se não é possível quantificar o infinito, a teoria não daria conta da explicação do fenômeno.
"Consequentemente, a ciência moderna, que teve início lá atrás, com Tycho Brahe, Galileu Galilei e outros astrônomos, teria chegado ao seu limite", diz Novello.
A cosmologia está longe de chegar ao seu limite e, aliás, é uma ciência recentemente institucionalizada. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Cosmologia foi criado em 2003, sob o nariz torto da Sociedade Brasileira de Física. Vários países que ainda não tinham seus institutos seguiram a trajetória tupiniquim, como Índia, Canadá, França e Rússia. E, com laboratórios próprios, cosmólogos do mundo inteiro tentam projetar modelos matemáticos para explicar, por exemplo, de onde veio este Universo.
Se o polonês estiver certo e se este Universo tiver surgido de um buraco negro, como teria se originado o buraco negro primordial? A física diz que um buraco negro é gerado por uma estrela que se contraiu. Todas as estrelas (astros que emitem luz própria) precisam de combustível para "se manter" -no caso do Sol, hidrogênio, que se transforma em hélio por fusão nuclear. Quando o combustível de uma estrela acaba, ela começa a se contrair pela ação da própria gravidade.
Se a massa da estrela for muito grande (com campo gravitacional muito intenso), não há nenhum mecanismo conhecido que possa deter sua contração. Nesse caso, o colapso culmina num buraco negro.
A partir daqui, desenrola-se a teoria de Poplawski. Segundo ele, o buraco negro, no seu limite de contração (o que é chamado de "horizonte de eventos"), teria uma expansão rápida e daria origem a um Universo. Assim, esse Universo estaria dentro de um imenso buraco negro que se expandiu violentamente depois de sua contração parar.
"Antes disso, nosso Universo era uma estrela que vivia no interior de outro grande Universo", explica o físico. Em outras palavras, cada Universo viveria dentro de buracos negros que, por sua vez, poderiam possuir estrelas que, se altamente contraídas, dariam origem a novos buracos negros, com novos Universos dentro.
As explicações físicas para os buracos negros -que têm campos gravitacionais muito intensos- são complexas. A lei da gravitação de Isaac Newton, do século 17, por exemplo, não é suficiente para esclarecer esses corpos. Entram, então, em cena as famosas equações de Albert Einstein, propostas em 1915, sem as quais não é possível descrever o que acontece com um buraco negro. Poplawski apropriou-se amplamente dessas equações nos seus estudos.
Mas há uma limitação da teoria de Einstein, que pressupõe um campo gravitacional infinito. "Afinal, não pode haver quantidades infinitas na natureza", explica o físico e divulgador científico Roberto Belisário, doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Como a descrição de Einstein, portanto, não é completa, é preciso também levar em conta a mecânica quântica, que desde o início do século 20 fornece descrições mais precisas sobre sistemas microscópicos na tentativa de explicar fenômenos macroscópicos.
A teoria de Poplawski de que o Universo estaria dentro de um buraco negro vai além de uma inspiração sobre a origem do Universo. Ela quer também explicar uma das maiores inquietações da humanidade que serve, incansavelmente, de pano de fundo para a ficção científica: por que o tempo só anda para a frente?
A ideia da seta temporal em apenas uma direção, de maneira que não podemos voltar no tempo, mas apenas viajar pelo espaço, tem a ver, de acordo com o polonês, com uma espécie de herança que o Universo "filho" herdaria do buraco negro "mãe". Universos filhos receberiam as propriedades, como o sentido do tempo, de suas mães, e se manteriam em assimetria com elas, assim como pedacinhos de papel jogados por uma janela seguem a direção do vento. E como o buraco negro se expande sempre numa única direção (por bilhões de anos), no Universo filho também só será possível viajar rumo a um único lugar: o futuro.
Se fosse possível detectar essas propriedades transmitidas de "mãe para filho", haveria uma prova experimental da ideia do cientista polonês. Mas, ao que parece, a proposta do autor não foi construir uma teoria "testável", mas mostrar que é possível dar conta da assimetria do tempo e da expansão do Universo com uma teoria. Para testá-la, os trabalhos de Poplawski precisariam ser aperfeiçoados de modo a incluir fenômenos novos e observáveis.
Mas essa tarefa fica para a frente -para o futuro.
Texto retirado de: Jornal da Ciência
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