O Certo, o Errado e o Brasileiro
Matemática

O Certo, o Errado e o Brasileiro




Existem pelo menos três maneiras para executar uma tarefa ou defender uma ideia: a certa, a errada e a brasileira. 

Neste texto exploro um pouco sobre certos comentários a conteúdos deste blog feitos no facebook

1) Estabilidade de professores nas instituições públicas de ensino superior. As melhores universidades do mundo são centros de excelência que produzem conhecimentos científicos e tecnológicos de extrema relevância. Como já disse o grande físico britânico David Bohm (ex-professor da Universidade de São Paulo), "A ciência para ser construída requer uma certa atitude mental, que eu chamaria de atitude crítica [...], independente de que se goste ou não, quer dizer, não é o seu desejo que determina se o que você diz é verdadeiro." [transcrito de entrevista realizada durante o Simpósio de Física em Homenagem ao 70.o aniversário de Mario Schenberg]. No entanto, políticas científicas e acadêmicas são frequentemente definidas a partir de desejos e não de mentalidades críticas. Isso porque praticamente qualquer atividade política é definida por desejos, mesmo quando o assunto é ciência. Este é um ponto extremamente importante: a fundamental diferença entre ciência e políticas científicas. A política científica brasileira tem se caracterizado, entre outras coisas, pela estabilidade irrestrita concedida a qualquer professor de instituição pública de ensino superior que tenha sido aprovado em estágio probatório. Esta atitude corporativista é contrária ao senso crítico, simplesmente porque avaliações de desempenho entre professores de tais instituições são inócuas. Aqueles que defendem a estabilidade frequentemente afirmam que ela viabiliza condições para críticas à instituição, sem represálias políticas injustas. Isso é verdade. No entanto, a estabilidade concedida a todos acaba mutilando gravemente a auto-crítica de qualquer instituição, como facilmente verificamos na prática. Cito um exemplo bem conhecido. O filósofo brasileiro Otávio Bueno é Professor Titular e Chefe do Departamento de Filosofia da University of Miami. É também editor-chefe do periódico Synthese, um dos mais importantes da área de filosofia da ciência. E ele conta com estabilidade de emprego em sua instituição! Mas isso foi conquistado após quase vinte anos com posições de trabalho na Universidade de São Paulo, na University of Leeds, na University of York, na California State University e na University of South Carolina. Sua estabilidade foi conquistada após 120 artigos publicados em periódicos de grande prestígio e inúmeras conferências e apresentações muito bem sucedidas em congressos internacionais. O nome disso é mérito! É claro que um cientista com o perfil de Otávio Bueno jamais se acomodaria com a estabilidade. Mas podemos assumir que todo professor aprovado em um estágio probatório de três anos merece estabilidade? Certamente não. É claro que todos desejam a estabilidade. Mas ciência não se promove com desejos.

2) QI. Brasileiros frequentemente afirmam, em tom irônico, que qualquer profissional de nosso país precisa de QI (quem indique). Esta é uma anedota simplesmente irresponsável. No caso de professores universitários e pesquisadores, é claro que o profissional precisa de indicação! Um bom professor universitário ou um bom pesquisador deve ser reconhecido pelos seus pares. Caso contrário, como confiar nele? Não são apenas artigos publicados que definem um bom pesquisador. Não são apenas opiniões de alunos de uma instituição de ensino que definem um bom professor. É fundamental a interação com colegas das mais variadas instituições. E tais interações ocorrem principalmente por contato pessoal. Este é um dos motivos para existirem tantos congressos e simpósios na comunidade acadêmica internacional. A indicação não é um mal. A indicação é uma necessidade social e profissional. Quando o matemático chinês Liangzhong Hu fez contato comigo por e-mail, pedindo para que eu fosse seu tutor de pós-doutoramento na Universidade Federal do Paraná (UFPR), examinei seu résumé e, em seguida, solicitei três cartas de recomendação. Recebi duas da China e uma da Itália. As cartas eram simplesmente indicações que enfatizavam a seriedade e a competência de Liangzhong Hu. Aceitei este importante pesquisador para a realização de seu estágio de pós-doutoramento e hoje ele é professor concursado da UFPR, responsável por importantes contribuições em álgebras não comutativas aplicadas em teorias de campos.

3) Fraudes em Concursos Públicos. Fraudes em concursos públicos para fins de contratação de professores em instituições de ensino superior têm sido cada vez mais frequentes no Brasil. No entanto, é erro grave condenar toda e qualquer fraude. Concursos nas universidades públicas são fortemente engessados por regras supostamente rigorosas mas evidentemente sujeitas a falhas graves. No caso das universidades federais, os candidatos devem fazer uma prova escrita (para avaliar conhecimento) e uma prova didática, bem como defender seu memorial, além de apresentar Curriculum Vitae devidamente documentado. Não existe, em tais concursos, qualquer avaliação pessoal que torne o processo mais flexível. E flexibilidade é extremamente importante. Cito outro exemplo que vivenciei pessoalmente. Anos atrás presidi um concurso público no Departamento de Matemática da UFPR. Um dos candidatos era um alemão cujo conhecimento matemático e experiência acadêmica eram inquestionáveis. No entanto, na prova escrita ele respondeu apenas a três das cinco questões obrigatórias. Isso ocorreu simplesmente porque ele estava extremamente cansado no dia da prova. As três questões que ele respondeu foram desenvolvidas de forma impecável. No entanto, a nota mínima exigida em tal prova era sete. Resultado: três professores da comissão julgadora atribuíram nota seis a este candidato e, portanto, ele foi reprovado. Se eu tivesse exercido alguma pressão sobre esses três membros da comissão, certamente o resultado teria sido outro: este alemão seria hoje professor da UFPR. No entanto, tal atitude poderia ser caracterizada como fraude. Como bom cordeiro, segui as rígidas e estúpidas regras. Eu também presidi um processo seletivo para professor substituto no qual um dos candidatos era notoriamente conhecido como um professor que causava graves problemas em sala de aula. Devemos admitir profissionais com este tipo de perfil em uma instituição que busca por excelência? Creio que não.

Em suma, as universidades públicas brasileiras, especialmente as federais, deveriam se espelhar um pouco mais nos modelos bem sucedidos que ocorrem fora de nosso país. Isso porque as nossas universidades fazem muito menos do que poderiam. Sem produção de conhecimento e tecnologia, o Brasil será um eterno dependente de outras nações. Sem produção de conhecimento relevante, jamais poderemos garantir nossa soberania econômica, social e política. Sem produção de conhecimento, jamais teremos justiça social.




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