Quantos polacos são necessários para trocar uma lâmpada?
Matemática

Quantos polacos são necessários para trocar uma lâmpada?



Acompanhe a leitura até o fim e responda à pergunta do título. Chegou a hora de revelar o seu caráter.

Neste texto mostro de forma muito breve como a Polônia, a partir de condições extraordinariamente precárias, se transformou em uma potência mundial em matemática. Espero que este exemplo histórico sirva de inspiração ao povo e ao governo brasileiro. Em particular, espero que a comunidade acadêmica de nosso país tome conhecimento desta extraordinária história e avalie o que podemos fazer na prática a partir deste exemplo de determinação e luta.

A Polônia conta com uma história milenar, iniciada no século 10, quase sempre marcada por graves conflitos, desde sangrentas guerras contra os Cavaleiros Teutônicos em tempos medievais até duas guerras mundiais durante o século 20.

No início do século passado a matemática polonesa ainda era extraordinariamente isolada e pobre. Se havia alguma produção relevante, estava quase que inteiramente escrita em polonês, idioma simplesmente ignorado por outras culturas.

Durante a Primeira Guerra Mundial Zygmunt Janiszewski publicou um artigo intitulado "Sobre a necessidade de matemática na Polônia". O contexto histórico era claro. Aquele país estava prestes a conquistar sua independência e a nação inteira se entusiasmava com sonhos e planos. 

Segundo Janiszewski não havia chances da Polônia competir, em áreas tradicionais da matemática, com nações como Itália, Inglaterra, Alemanha e França, as quais eram líderes incontestáveis na Europa e, consequentemente, no resto do mundo. No entanto, em áreas emergentes a Polônia tinha tantas chances para realizar contribuições relevantes como qualquer outra nação. O nome disso, caro leitor, é estratégia. Não faz sentido promover ciência e educação sem uma estratégia antenada com a realidade mundial.

As áreas emergentes da matemática, na época, eram teoria de conjuntos, topologia, teoria das funções de uma variável real, lógica e fundamentos. 

Foi então que surgiu, em 1920 (dois anos após a independência do país), o primeiro periódico especializado de matemática da história mundial: o Fundamenta Matematicae. Até então todos os periódicos europeus de matemática permitiam a publicação sobre qualquer área desta ciência. Já o Fundamenta Matematicae focava especificamente contribuições em lógica e fundamentos. 

Janiszewski não pode testemunhar o excepcional triunfo desta histórica iniciativa, pois morreu logo em seguida, aos 32 anos de idade. No entanto, o fruto de seu trabalho repercute até os dias de hoje e persistirá enquanto durar a humanidade.

Jovens que tinham interesse em se dedicar ao estudo de matemática receberam intenso apoio de profissionais de excepcional talento. Entre esses jovens estavam Bronislaw Knaster, Kazimierz Kuratowski, Szolem Mandelbrojt, Stanislaw Saks, Alfred Tarski, Tadeusz Wazewski, Antoni Zygmund, Karol Borsuk e Samuel Eilenberg, além de muitos outros. 

Universidades polonesas promoviam intensos intercâmbios com instituições de outras nações, incluindo o Brasil. O brasileiro Newton da Costa, por exemplo, recebeu a Medalha Nicolau Copérnico da Universidade de Torum, devido às suas relevantes contribuições àquele país e à lógica matemática. 

E qual foi o resultado disso tudo? Hoje em dia, qualquer livro relevante sobre lógica, fundamentos da matemática, teoria dos conjuntos ou topologia apresenta uma considerável lista de contribuições originalmente devidas a matemáticos poloneses. Citar polacos, nesta literatura, é simplesmente inevitável. E Alfred Tarski é hoje considerado um dos quatro nomes mais importantes de toda a história da lógica, ao lado de Aristóteles, Gottlob Frege e Kurt Gödel.

Ou seja, a Polônia colocou de forma definitiva sua marca no mundo. Copérnico deixou de ser um caso isolado na história da ciência e passou a fazer parte de um legado nacional de paixão, garra e contribuições científicas da mais alta qualidade. 

A partir de um artigo, foi definida uma estratégia de ação por parte de governo e outros segmentos sociais, como universidades e até mesmo famílias inteiras. Isso mesmo: tudo começou com um único artigo. 

No Brasil reclama-se muito da falta de condições de trabalho e de incentivos à educação e à produção científica. No entanto, como observou recentemente um leitor deste blog, certos problemas fundamentais de nossa comunidade acadêmica parecem estar mais ligados a questões culturais do que políticas governamentais ou acadêmicas. Isso me faz recordar de uma história que ouvi muitos anos atrás. 

A convite de Newton da Costa, um matemático polonês visitou o Brasil e ficou impressionado com as excepcionais facilidades que existem em nossas universidades públicas. Afinal, os professores universitários brasileiros têm direito a salas próprias e existe até mesmo giz para uso em lousas. Este matemático polonês concluiu que o Brasil deve produzir ciência da mais alta qualidade. Afinal, na Polônia as condições de trabalho eram consideravelmente piores.

Já ouvi muita piada sobre polacos em nosso país. Mas certamente deveríamos deixar as piadas de lado e aprender um pouco mais com este extraordinário povo. Um extraordinário povo que demonstrou claramente saber ler, refletir e realizar.

Por mais pretensioso que possa parecer, minha iniciativa com o artigo publicado em Scientific American Brasil sobre as universidades federais brasileiras é fortemente inspirada no exemplo de Zygmunt Janiszewski. A questão agora é se o povo e a academia brasileira sabem ler, refletir e agir. 

Não insistirei por muito mais tempo com campanhas a favor de ciência e educação de qualidade em nossas terras se não houver uma reação realmente significativa neste país. Como já confidenciei a amigos, não tenho vocação para Dom Quixote. Cabe agora a demais pessoas algo que vai muito além de um simples acenar com a cabeça ou um curtir e um compartilhar no facebook. Cabe aos que sonham com um Brasil melhor a intensa, permanente e criativa pressão sobre meios de comunicação, autoridades, amigos e familiares. 

Existem muitas outras questões sobre educação e ciência que ainda não foram tratadas neste blog. Há várias postagens a caminho, escritas por mim e também por novos colaboradores. Certamente esses novos textos serão veiculados aqui. Mas a minha preocupação é com o futuro a médio e longo prazo. 

Nos últimos cinco dias este blog tem contado com uma média de 1200 visualizações por dia, o que reflete clara receptividade às ideias aqui divulgadas. Mas simples receptividade não dura muito e é uma postura simplesmente passiva. O Brasil precisa de muito mais do que isso. Afinal, o número de visualizações está finalmente caindo. Ontem foi para pouco mais de 700. 

Em suma. Nenhuma grande obra é realizada por uma só pessoa. Sem apoio social real, nada muda. Sem ações relevantes, nada muda. Sem pressão agressiva, estamos simplesmente condenados a sermos a eterna promessa do país do futuro. Sonhos carecem de sentido sem ações.

Para detalhes sobre a história do desenvolvimento matemático na Polônia recomendo este artigo de W. Zelazko, escrito em inglês. O relato de Zelazko é ainda muito superficial, mas consideravelmente mais completo do que esta postagem. Para aqueles que não sabem ler inglês devo simplesmente advertir: português é uma língua ignorada pela comunidade científica internacional, assim como o polonês.

Se você, leitor, não consegue ler inglês é porque as escolas onde cursou os ensinos fundamental e médio simplesmente o enganaram. Portanto, reaja! E se sabe ler inglês, sua responsabilidade social é ainda maior. Mãos à obra! Precisamos todos jogar a serpente no paraíso da comodidade. Este blog não foi concebido para se tornar uma mera distração intelectual. O artigo publicado em Scientific American Brasil não foi escrito para servir de consolo àqueles que sentem na pele o desprezo brasileiro à educação. Este artigo foi escrito para promover mudanças. Sem reação agressiva, criativa e coletiva, o senso crítico de uma fundamental parcela da população está destinado à morte.




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