Resposta a um pedido
Matemática

Resposta a um pedido



Com a devida autorização, reproduzo abaixo e-mail que recebi no dia 14 de novembro deste ano, de Guilherme Oliveira Santos. 

Normalmente não reproduzo e-mails neste blog, mas faço aqui uma exceção. Isso porque o texto foi escrito por um jovem estudante que demonstra uma rara combinação de preocupação com sensatez e esperança, a qual não percebo sequer na maioria dos professores universitários de nosso país. Além disso, existe outra motivação para a divulgação desta mensagem. O autor faz um pedido para que eu tome uma iniciativa que não posso realizar. Ao final da mensagem de Santos, apresento minha resposta.

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UFPR
de Guilherme Oliveira Santos

Boa tarde

Sou aluno do primeiro período do curso de Física da UFPR, acompanho o blog Matemática e Sociedade desde que decidi ser físico (final de 2012). Minhas impressões de por onde a educação deve permear, dentro de minhas limitações, alinha-se ao que o senhor vem discutindo em seus textos, como um ajuste meritocrático e mais autonomia universitária para contratação e demissão de professores. Com esta carta tenho a intenção de descrever brevemente o que penso sobre um equívoco específico dos alunos de graduação da UFPR e sobre um contra-ataque às ideologias dominantes nas universidades públicas.

Desde que iniciei os estudos no curso de Física, pude notar ao longo desse período alguns padrões de pensamento a respeito das visões políticas e econômicas que meus pares apresentam, e notei que há muita confusão sobre fenômenos de ação-reação, isto é, sobre a interferência política no funcionamento do mercado. Apesar de não ser trivial, devido ao fato de que a reação está distante da ação e por ter milhões de variáveis envolvidas, nota-se que os graduandos estão muito pouco familiarizados com esse conhecimento, quando não é de todo desconhecido; por exemplo: alguns alunos criticam veementemente a presidente Dilma Rousseff, mas durante as campanhas eleitorais afirmaram que prefeririam a candidata Luciana Genro porque, por algum motivo, acham as ideias dela melhores, talvez pelas falácias de que ajudaria os pobres taxando mais os ricos. Vejo aí um grande equívoco, pois para ajudar realmente os pobres é necessário menos boas-intenções e mais liberdade para empreender. Outros falam mal do comunismo, mas defendem intervenção estatal para regular o mercado e aspectos morais. São muitas inconsistências nos argumentos que utilizam para justificar seus posicionamentos. Aquilo me pareceu um pouco Keynesiano, sempre apoiados na ideia de um Estado gestor e interventor.

Onde quero chegar, professor, é em lhe fazer uma sugestão, e se talvez o senhor ministrar um minicurso ou algo semelhante, talvez colóquios, de forma que supra essa carência cognitiva, eu penso como um ponto de partida (para os universitários), visto que muitos dos estudantes têm tendência mais liberal, mas falta-lhes a compreensão das dimensões que isso toma em nossas vidas, por isso pensei que poderia servir como uma introdução a um conhecimento pouco esclarecido em nosso país. Um curso que poderia abranger sistemas complexos, lógica (para melhor compreensão dos argumentos), teoria dos jogos, estatística, empreendedorismo. 

Apesar da complexidade dos assuntos gosto de imaginar que é possível condensá-los de forma a nos tirarmos ao menos da lama intelectual em que estamos. Tenho uma ligeira preocupação, principalmente porque a maioria é sempre bem-intencionada, mas falham por falta de conhecimento consistente que lhes coloque em uma posição mais coerente com o que defendem, falta-lhes a ideia de que os meios são importantes serem definidos antes de tomadas de decisões parvas. Não quero com isso dizer que todos devem se importar, mas como estamos em tempos perigosos penso que seja interessante que nós (alunos) visualizemos o mundo por outras perspectivas.

Eu tenho otimismo (ou ingenuidade) quanto a isso, pois ao menos um dos meus colegas já está lendo von Mises. Tenho a impressão de que, aumentando a divulgação de ideias que aproximam a matemática e a física das ciências humanas, pode vir a ser benéfico para a comunidade acadêmica. A ideia é desmistificar os 'engenheiros sociais', sociólogos, filósofos, pedagogos, que de forma geral se manifestam com ojeriza aos mais bem sucedidos e insistem que o melhor é sermos iguais, sem levarem em consideração a liberdade de escolha de cada um.

Devido à irrisória divulgação de pensamentos liberais, ainda mais fundamentados matematicamente, vejo isso como a abertura de uma janela de oportunidades por meio de uma transmissão de conhecimento que provoque os alunos a questionarem através da matemática e da lógica o que acontece em nosso país. Imagino que seria uma boa incitação a saírem da morbidez. 

Estou agradecido pela atenção.
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Segue abaixo minha resposta ao e-mail de Santos.

Eu já tentei realizar isso anos atrás, no contexto dos Seminários Analice Gebauer Volkov. Esses seminários eram divididos em duas categorias: técnicos e de divulgação. Nos seminários técnicos eram realizadas atividades para o desenvolvimento de projetos de pesquisa interdisciplinares. Já os seminários de divulgação eram marcados por palestras de caráter geral ministradas por profissionais de diferentes áreas do saber. Tivemos palestras sobre jornalismo, genética, filosofia, psicanálise, matemática, física e até zoologia, entre outros temas. Eram trazidas pessoas de diferentes partes do país e do mundo para apresentarem essas palestras. 

No entanto, aos poucos, os seminários de divulgação científica passaram a contar com cada vez menos pessoas interessadas. E eu não queria mais trazer profissionais altamente qualificados para ministrarem palestras diante de públicos que não chegavam a dois dígitos. É muito difícil desenvolver uma visão interdisciplinar em uma universidade como a UFPR. Mas, este problema não é exclusivo da UFPR. Lembro que anos atrás John Casti tentou criar, na América Latina, algo equivalente ao Santa Fe Institute, um centro de excelência no estudo de sistemas complexos. Muitos brasileiros conversaram com ele, incluindo eu mesmo. Mas não teve jeito. Não há massa crítica suficientemente articulada (nem no Brasil e nem no resto da América Latina) para uma iniciativa como essa. 

Quanto aos seminários técnicos, também foram cancelados, por conta de circunstâncias que prefiro não detalhar neste momento. É uma longa história.

Um exemplo melhor sucedido de promoção de visão interdisciplinar é a equipe Polyteck. Mas não sei até quando eles conseguirão resistir.

O que faço hoje, na UFPR, para estimular visões diferenciadas, é muito pouco em termos de resultados. Mas ainda é algo que pode fazer alguma diferença. Neste semestre letivo, por exemplo, tenho duas turmas no Curso de Matemática. Uma dessas turmas tem três alunos que frequentam regularmente as aulas. E a disciplina é Teoria de Conjuntos. O que estou fazendo com esses três alunos é um projeto de pesquisa que resultará em artigo a ser publicado em parceria comigo e Otávio Bueno. São cinco pessoas que estão desenvolvendo teoria de categorias no contexto de uma nova visão da teoria de conjuntos de von Neumann. Existem várias consequências para este trabalho, que poderão repercutir até mesmo no ensino médio. Oportunamente darei detalhes sobre isso, quando o artigo for aceito para publicação. No momento ainda estamos redigindo o texto e finalizando detalhes técnicos.

Ou seja, é possível sim colaborar de maneira construtiva para o crescimento do país. Mas a inércia a ser vencida é simplesmente gigantesca. Essa turma de três alunos que tenho neste semestre é uma exceção. São três jovens brilhantes e fortemente motivados. Só espero ver algo semelhante no futuro daqui a uns dez anos. Até lá, o negócio é ter paciência.




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