Justificativa e Novidade
Matemática

Justificativa e Novidade




Parte desta postagem tem o propósito de responder a certos questionamentos levantados pelo leitor André Furtado, conforme prometido dias atrás. Mas o principal objetivo deste texto é apresentar uma justificativa não apenas para o André Furtado, mas para inúmeras outras pessoas que têm tentado me convencer a desistir de minhas tentativas para mudar o ensino público superior. Por isso mesmo incluo nesta postagem uma novidade que deve estimular aqueles que percebem que as universidades federais deste país atingiram um ponto de estagnação irreversível, enquanto não houver mudanças radicais em seus fundamentos.

Não apenas a ciência e a educação brasileiras estão em crise, mas a ciência e a educação no mundo inteiro enfrentam dificuldades graves. 

A ciência atingiu um grau de profissionalismo nas últimas décadas extremamente rígido, sob certos aspectos, e inconsequentemente liberal, sob outros. O pesquisador que não publicar de forma frequente e consistente nos melhores periódicos especializados coloca em sério risco a sua carreira. Em função disso, uma massa imensa de artigos de questionável relevância científica tem sido veiculada mesmo através das melhores editoras. Isso sem falar no número crescente de fraudes científicas: plágios; inclusão de nomes de amigos em projetos, sem a efetiva colaboração dos mesmos; e textos intencionalmente incoerentes que com frequência crescente têm sido publicados.

Estudiosos dos processos educacionais, por outro lado, já percebem há muito tempo que os atuais métodos de ensino não funcionam bem (no sentido de preparo para a cidadania em seu mais amplo sentido, com o devido respeito à individualidade). Mas ninguém até hoje conseguiu apresentar uma proposta alternativa suficientemente convincente, apesar de países como Finlândia terem sistematicamente demonstrado que o modelo deles é muito bem sucedido. O duro é fazer os supostos especialistas e autoridades perceberem isso.

No entanto, cada realidade local tem seus problemas específicos. E neste blog procuro dar ênfase à realidade brasileira. 

Tenho criticado enfaticamente as universidades federais, por motivos já expostos anteriormente. Mas não são apenas as universidades federais que se estagnaram. Em nosso país, as universidades privadas, em geral, também fracassam miseravelmente nas missões de produção de conhecimentos e formação profissional. Existe uma história não documentada nas universidades brasileiras que tem colocado em sério risco o futuro do Brasil. Isso porque sem educação, ciência e tecnologia internacionalmente competitivas, o destino de nossa nação fica cada vez mais nas mãos de nações que investem significativamente nessas áreas. Em conversas de corredor, por exemplo, fala-se cada vez mais dos indivíduos que têm suas monografias de especialização, dissertações de mestrado e até mesmo teses de doutorado escritas por amigos, colegas ou profissionais da fraude. E ainda há os casos de disciplinas em cursos de doutoramento nas quais não existem avaliações escritas. Esta tem sido uma prática acentuada nas instituições privadas de ensino superior. 

A verdade é que nem mesmo nas universidades privadas brasileiras se pratica a meritocracia. Doutores, por exemplo, são evitados a extremos. E produção científica, nem pensar. Na maioria das universidades privadas de nosso país os professores são sobrecarregados com aulas, sem que tenham tempo para qualquer dedicação à pesquisa. E mesmo que a instituição não esteja interessada em pesquisa, como lecionar com a necessária reflexão se um professor deve assumir vinte ou quarenta horas semanais de aula?

Por isso mesmo insisto que o nó principal do ensino superior brasileiro está nas instituições federais. É lá que as mudanças podem e devem ocorrer. Ainda não estamos em condições de contar com qualquer visão socialmente responsável da iniciativa privada brasileira (salvo raras exceções). 

Questionando minha proposta de extinguir a estabilidade irrestrita dada a professores das universidades federais, André Furtado pergunta: "Quais seriam os critérios para definir o que são aulas e pesquisa científica de boa qualidade?"

Há, pelo menos, duas perguntas neste questionamento. A primeira é sobre aulas e a segunda é sobre pesquisa científica. Para responder, estendo a pergunta para duas situações distintas: indivíduos e instituições.

A melhor maneira de uma instituição avaliar se está oferecendo aulas de qualidade é através de associações de ex-alunos. E quem lê meu blog, sabe que eu já respondi a esta questão há muito tempo. Associações de ex-alunos são instrumentos para avaliar o destino profissional dos egressos. Em tais avaliações, sempre serão percebidas falhas. Sempre serão detectados aqueles ex-alunos que estão infelizes em suas carreiras ou que simplesmente abraçaram profissões que nada têm a ver com as suas formações. A partir desta análise, os dirigentes das instituições de ensino estabelecem parâmetros de qualidade que devem ser aplicados aos professores (indivíduos). O profissional que não atender às expectativas de sua instituição, deve ser treinado para fazer isso. Se ainda assim ele não corresponder às expectativas, deve ser demitido. Educação é importante demais para tolerar incompetência.

É importante também que os próprios alunos avaliem a qualidade de aula de seus professores. Os alunos raramente compreenderão o papel desta avaliação, a qual deve permitir, a rigor, uma análise das relações entre alunos, professores e instituição. 

Existem também instrumentos para avaliar a qualidade da produção científica de instituições: citações, registros de patentes e impacto social são exemplos bem conhecidos. A pesquisa da tcheca naturalizada brasileira Johanna Döbereiner, por exemplo, transformou o Brasil no segundo maior produtor de soja do mundo

A partir deste tipo de avaliação (sustentada em resultados), novamente a instituição pode estabelecer políticas internas para definir quem é contratado, quem se mantém no cargo, quem é promovido e quem é demitido. 

Em suma, cada instituição deve estabelecer de forma clara quais são os seus objetivos. A partir disso, fica bem mais fácil definir o perfil profissional esperado de cada professor ou pesquisador. Nas instituições federais de ensino superior, jamais fica claro o que se entende por atividades de pesquisa ou extensão. Portanto, jamais fica claro o que se espera de um professor de universidade federal. Esta realidade definitivamente prejudica a instituição e, consequentemente, a sociedade.

A segunda pergunta que André Furtado faz é: "Quem definiria tais critérios e quem, na prática diária universitária, avaliaria seu cumprimento?"

Os critérios institucionais seriam definidos pelos professores que meritocraticamente conquistaram a estabilidade (a exemplo do que ocorre no bem sucedido modelo acadêmico estadunidense). Eventualmente até poderiam consultar outros profissionais e instituições. Mas a decisão final deve ser deles. E estes mesmos profissionais devem estabelecer os mecanismos de avaliação individual. 

Certamente esta proposta está sujeita a falhas. Qualquer pessoa com senso crítico e experiência descobre facilmente isso. Mas os ajustes a serem feitos posteriormente seriam de natureza fina e não fundamental.

Já ouvi também o ingênuo argumento de que o Governo Federal não é o administrador das universidades federais. Isso é simplesmente falso. Mas respondo a esta questão em outra mídia. É justamente aqui que está a novidade prometida.

Até fevereiro de 2013 será publicado um artigo meu de dez páginas sobre as universidades federais brasileiras, em uma revista de ampla circulação no Brasil e em Portugal. Propus este texto para o editor da revista e ele imediatamente abraçou a ideia. Na verdade, editor e eu estamos trabalhando juntos nesta empreitada, em uma tentativa de despertar pelo menos parte da população e autoridades para a situação escandalosa de nossas instituições públicas de ensino superior. Muitas das informações publicadas no artigo em questão já foram discutidas detalhadamente por aqui. Outras ainda são inéditas. Portanto, o apelo que fiz na centésima postagem está frutificando a partir de iniciativa minha, por enquanto. Espero que os leitores deste blog não desistam e continuem insistindo em tal apelo. 

Tendo isso em mente, respondo agora à principal crítica que recebo, tanto de simpatizantes quanto de oponentes: "Por que, afinal, você insiste nisso tudo?"

Por conta de certas postagens neste blog, já fui chamado de muita coisa: Joana D'Arc, Jesus Cristo, o cara que quer virar mártir, amargurado, louco, frustrado, infeliz, etc. (o etc. inclui adjetivos que prefiro não reproduzir). Frustrado, assumo que sou. Sou frustrado por ter investido seriamente em uma instituição de ensino superior que não leva a sério nem ciência e nem educação. Também sou frustrado por viver em um país no qual apenas uma minoria desarticulada consegue enxergar a imensa cova que o Brasil está cavando para si mesmo. Mas, respondendo à última questão, insisto em criticar a educação e a ciência brasileiras simplesmente porque faz parte de minha natureza, assim como respirar e comer. Só isso. 

Um colega meu (indivíduo extremamente produtivo, do ponto de vista acadêmico) do Departamento de Matemática da UFPR me disse: "Fico pensando se existe alguma instituição na qual você se sentiria bem." Respondi: "No dia em que isso acontecer, estarei morto." 

Quem não percebe os problemas fundamentais da educação brasileira é absolutamente cego e deve ficar longe de qualquer atividade educacional. Quem considera que alguma instituição federal de ensino superior deste país merece ser chamada de universidade, é ingênuo ou sem-vergonha. Quem acredita que existe alguma instituição de ensino superior no mundo que não enfrente problemas sérios, é tolo. Quem não deseja encarar de frente os problemas reais e resolvê-los é covarde ou acomodado. Quem julga sem conhecimento, é irresponsável. Quem desiste, está morto.




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