A Igreja e o Sacro Império
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A Igreja e o Sacro Império


1. A organização eclesiástica

Durante a Alta Idade Média, o clero encontrava-se dividido em secular e regular. O clero secular era composto pelos presbíteros, diáconos, bispos, metropolitanos, patriarcas e papa. Chamava-se secular porque seus componentes viviam em contato com o saeculum, (mundo não- eclesiástico). Já o clero regular era composto pelos monges, seguidores de uma regra que pregava, essencial- mente, a castidade, a pobreza e a caridade. Esse clero propunha-se um comportamento mais espiritual e o afastamento das coisas mundanas, materiais.

O clero que primeiro se organizou foi o secular; o regular surgiu como reação àquele. Os primeiros monges apareceram no Império Romano por volta do século III. Mas foi São Bento de Núrsia que organizou no Monte Cassino (Itália) o primeiro mosteiro, que se propunha, além dos votos normais, a obediência, o trabalho produtivo e as orações. Era a regra beneditina. Por essa regra, os monges deveriam obedecer ao abade, chefe do mosteiro, escolhido pelos próprios monges.

No plano social, de uma maneira global, podemos dividir o clero em alto e baixo. O alto clero era composto por membros da nobreza feudal que se tomavam bispos ou abades. O baixo clero era de origem mais modesta, sendo constituído por padres e monges. Qualquer cristão podia ingressar no clero, exceto os servos, pois estes estavam presos à terra que cultivavam.

A regra de escolha dos abades pelos monges, e dos bispos pelos presbíteros não foi seguida durante a Idade Média. Os bispos eram investidos nas suas funções pelos condes, duques, reis e imperadores. Assim, os escolhidos nem sempre tinham a vida regulada, como conviria a um religioso. Eram na verdade senhores eclesiásticos que usufruíam dos rendimentos dos bispados e das abadias recebidas dos suseranos leigos como feudo, estando pois obrigados a cumprir os deveres normais de qualquer vassalo. Essa investidura leiga teve repercussões nocivas sobre o clero. Os bispos e abades tinham vida imoral para um religioso e influenciavam negativamente o clero inferior, levando os monges a se casarem ou terem amantes. Esse desregramento moral do clero é chamado nicolaísmo (porque Nicolau, um bispo, pregou o direito de casamento dos clérigos). Outro problema decorrente é a simonia, que consistia em negociar coisas sagradas — inclusive os cargos eclesiásticos.

Por volta do século X, começaram os movimentos de reação dentro da própria Igreja contra a investidura leiga, a simonia e o nicolaísmo, conduzindo à Querela das Investiduras (luta entre os imperadores germânicos e o Papado).

2. A cristianização da Europa

O processo de cristianização da Europa foi muito lento. Estendeu-se do século V ao XI. Dividiu-se em duas etapas: batismo e conversão. O batismo foi a fase inicial, na qual apenas os chefes das tribos germânicas eram batizados, considerando-se a cerimônia extensiva a seus comandados. O mais difícil foi converter, isto é, ensinar a doutrina (dogmas, moral e obrigações).

O papel do Papado nessa empresa religiosa foi enorme. Começou com o papa Gregório Magno (590-604), verdadeiro chefe político e religioso de Roma, dirigente supremo de toda a Cristandade. Gregório procurou reaproximar as Igrejas cristãs e os mosteiros espalhados pelo mundo ocidental e separados pelas invasões do século V. Estimulou a fé dos clérigos e a cultura religiosa, por meio de escritos como a Regra Pastoral. Compôs também hinos religiosos, o chamado canto gregoriano.

Gregório estimulou a conversão dos pagãos e dos cristãos pertencentes à seita ariana, isto é, adeptos da heresia de Ano, bispo que pregava ser Cristo uma criatura de natureza apenas humana.

Por seu estímulo, monges seguiram para a Britânia, onde os anglo-saxões foram convertidos, sob a liderança de Santo Agostinho (não confundir com o teólogo do mesmo nome), que fundou o primeiro bispado no país. Outros monges partiram da Irlanda, que já fora cristianizada, para converter os bárbaros da Inglaterra Setentrional e os pagãos da Escócia. Essas duas correntes evangelizadoras mais tarde entrariam em choque, visto que seus ensinamentos não eram exatamente os mesmos.

Os mosteiros anglo-saxões tornaram-se importantes centros culturais na Alta Idade Média, não só porque conservaram obras da Antiguidade Clássica, mas também pela erudição de muitos de seus monges. O maior representante da vida intelectual desse período foi Beda, o Venerável, um monge anglo-saxão do mosteiro de Jarrow.

Da Inglaterra saíram numerosos missionários em direção à Germânia, onde se destacou o trabalho de São Bonifácio; este, mais tarde, organizaria a Igreja entre os francos.
No final do século VI, os lombardos (um povo germânico) invadiram o Norte da Itália. No século seguinte, expandiram seu domínio na região e, a partir de 752, passaram a ameaçar Roma, cujo governante de fato era o papa, na qualidade de bispo da cidade. Os francos, comandados por Pepino, o Breve, acorreram em socorro do pontífice. Pepino venceu os lombardos (756) e doou ao Papado os territórios que conquistara na Itáiia Central. Criou-se assim o Patrimônio de São Pedro (mais tarde Estados da Igreja), sobre o qual o papa possuía poder temporal.

As ligações com o Estado Franco em fase de ascensão fortaleceram o Papado, mas ao mesmo tempo colocaram- no na dependência dos Carolíngios. Carlos Magno, por exemplo, interveio freqüentemente na escolha dos bispos. Para a Igreja, essa relação teve um aspecto positivo, pois o Estado leigo passou a se interessar pela difusão da fé cristã entre os pagãos; mas teve também um lado negativo, porque submeteu o Papado a uma autoridade temporal e estimulou a investidura leiga (ato pelo qual uma autoridade não-eclesiástica, como um rei ou imperador, nomeava um bispo e o empossava no exercício de sua função eclesiástica). Em conseqüência, cresceu a prática da simonia (tráfico de coisas sagradas e cargos eclesiásticos) e do nicolaísmo (casamento ou concubinato de membros do clero).

3. A organização da Igreja

A evolução da organização eclesiástica e os progressos da evangelização na Europa (que ampliaram a área de influência do papa) são os fatores básicos para explicar a reação da Igreja contra a ingerência do poder temporal.

A Igreja foi organizada nos moldes de uma monarquia pontifícia (um dos títulos atribuídos ao papa era o de Sumo Pontífice). Os bispos, que a princípio eram eleitos pelos presbíteros e aprovados pela aclamação popular, passaram a ser escolhidos pelo papa. Para resolver questões que dissessem respeito à Igreja em outros países, o papa enviava representantes especiais, os legados pontifícios. No plano central, a Cúria Romana, dividida em vários departamentos, administrava o vasto império da Igreja. A cúpula da hierarquia eclesiástica integrava o Colégio dos Cardeais, que a partir de 1058 passaria a eleger o papa. As despesas da monarquia pontifícia eram cobertas com as rendas dos domínios papais, com a remessa de recursos por parte das dioceses e mosteiros, com os tributos pagos pelos Estados vassalos do Papado e com o dinheiro de São Pedro — contribuição voluntária dos fiéis, arrecadada em toda a Cristandade.

O clero secular era formado pelos arcebispos (chefes das províncias eclesiásticas ou arquidioceses), pelos bispos (chefes das dioceses) e pelos padres comuns. Abaixo dos bispos e acima dos padres comuns havia os curas, que administravam as paróquias — igrejas locais, erigidas em aldeias ou em bairros de cidades maiores.

O clero regular era formado por monges ou frades, os quais viviam em comunidade nos mosteiros ou conventos. Os mosteiros menores se subordinavam a um maior, dirigido por um abade. O clero regular compreendia numerosas ordens ou congregações, cada uma com sua regra (regulamento) específica. A primeira regra para monges na Europa foi elaborada por São Bento, fundador da ordem dos beneditinos.

No século X, teve início dentro do clero regular um movimento reformista e moralizador que deu origem à Ordem de Cluny. Esta pretendia, dando ela própria o exemplo, incentivar o clero regular a retomar os princípios fixados na regra de São Bento (castidade, pobreza, caridade, obediência, orações e trabalho). Foram os monges clunicenses que incitaram o Papado a afastar a perniciosa influência do poder temporal sobre a Igreja.

Mas os mosteiros de Cluny vieram a cair no mesmo desregramento dos demais, o que provocou o surgimento de novos movimentos reformistas. Estes, por sua vez, acabavam incidindo nas mesmas faltas, e então apareciam outras congregações imbuídas dos mesmos ideais. Uma das regras mais rigorosas foi a dos cistercienses (ou Ordem de Cister), fundada por São Bernardo de Claraval.

No século XIII, ocorreu dentro do clero regular uma grande inovação: o surgimento das ordens mendicantes, assim chamadas porque pregavam a pobreza absoluta e viviam da caridade dos fiéis. Os franciscanos originaram de São Francisco de Assis, filho de pai abastado, mas que desfez de seus bens materiais para viver em total simplicidade (1210). Os dominicanos provêm de São Domingos, um nobre espanhol que fundou uma congregação dedicada à pregação junto aos fiéis, com o objetivo de fortalecê-los na fé católica (1215). Essas duas ordens produziram na Idade Média grandes pensadores, como o franciscano Rogério Bacon e o dominicano Tomás de Aquino.





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