A Ilusão da Previsibilidade
Matemática

A Ilusão da Previsibilidade




Feliz Natal a todos!

Mantendo a tradição iniciada no ano passado, ofereço aos professores dos ensinos fundamental e médio mais uma atividade que pode servir de estímulo no aprendizado de matemática.

Considere, por exemplo, a sequência numérica a seguir:

00, 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08.

Digamos que alguém pergunte qual é o próximo número. Se o leitor responder 09, está cometendo um erro de raciocínio lógico-matemático. Para ilustrar este argumento, consideremos outra sequência:

01, 03, 00, 13, 02, 10, 15, 16, 06, 04, 07, 11, 05, 14, 09, 08.

Digamos agora que novamente se faça a pergunta: Qual é o próximo número?

Esta é mais difícil de responder do que a anterior? Não.

Muitos acham que a primeira sequência dada acima é, em algum sentido, ordenada e determinística, enquanto a segunda é aleatória e imprevisível. Tanto é assim que sequências como a primeira já foram usadas em testes de QI, demonstrando a limitada inteligência de profissionais que elaboram tais testes. O fato é que apenas olhar para as sequências numéricas, sem quaisquer informações adicionais, não permite responder à questão colocada: "Qual é o próximo número?"

A rigor, sequer é possível determinar se haverá um próximo número!

Considere a seguinte fórmula recursiva:

X(n+1) = [AX(n) + B]mod C

sendo A, B, C, n e X(n) números naturais.

Esta é uma fórmula iterativa que permite obter um número natural X(n+1) a partir de um número natural X(n), dados os valores naturais de A, B e C. A função mod se lê "módulo". A expressão 

[AX(n) + B]mod C

se lê, portanto, como "AX(n) + B módulo C" e corresponde ao resto natural da divisão entre os números naturais AX(n) + B e C.

Consideremos agora o caso particular no qual A = 7, B = 13 e C = 17, ou seja, 

X(n+1) = [7X(n) + 13]mod 17.

Imaginemos, ainda para fins de ilustração, que o primeiro valor do processo iterativo, X(0), seja 1. Isso significa que X(0) = 1.

Substituindo o valor escolhido para X(0) na equação acima, temos X(1) = 3. Isso porque (i) a soma entre o produto entre 7 e 1 e 13 é 20 (7 multiplicado por 1 e, em seguida, somado com 13, é igual a 20); e (ii) 20 dividido por 17 é 1, com resto 3 (ou seja, executamos a operação mod). Se substituirmos X(1) = 3 na mesma equação, obtemos X(2) = 0, usando exatamente o mesmo procedimento.

Repetindo o algoritmo, no qual X(2) gera X(3), X(3) gera X(4), X(4) gera X(5) e assim por diante, obtemos a seguinte sequência de X(0) até X(15): 

01, 03, 00, 13, 02, 10, 15, 16, 06, 04, 07, 11, 05, 14, 09, 08.

Esta é a mesma sequência que anteriormente poderia ser julgada por um espírito precipitado e pouco crítico como sendo aleatória. No entanto, ela pode ser também determinística. 

Se calcularmos o valor de X(16), obtemos 1, o mesmo valor inicial dessa brincadeira. Ou seja, toda a sequência se repete de maneira determinística. A aleatoriedade era ilusória. A informação que o leitor não dispunha no início da discussão era a origem da sequência que escolhi. Portanto, não há como responder qual é o próximo número. Até mesmo uma sequência como 1, 2, 3 pode ser originada de uma aula de dança de salão. Quem dança valsa repete certos movimentos periódicos: 1, 2, 3, 1, 2, 3, 1, 2, 3...

Já a primeira sequência que usei para ilustração poderia ser obtida a partir da equação:

X(n+1) = [1X(n) + 1] mod 9.

Portanto, do ponto de vista de quem a concebeu (eu!) neste contexto também escolhido por mim, o próximo número é 0.

Todas as sequências de números naturais obtidas a partir da equação

X(n+1) = [AX(n) + B]mod C

são determinísticas e periódicas. No entanto, este é o coração de um procedimento muito empregado em computadores e certas calculadoras eletrônicas para gerar sequências aparentemente aleatórias. Tal procedimento faz parte do estudo das famosas sequências pseudo-aleatórias.

Quando vemos animações em computação gráfica de flocos de neve caindo ao chão ou pinguins que marcham aparentemente ao acaso para uma montanha de gelo, tais imagens dependem de dispositivos como este ou similares. Eles criam a ilusão de aleatoriedade. O que o programa de computação gráfica faz é traduzir os números gerados por esses algoritmos como cores, formas e posições em um sistema de referência de duas ou três coordenadas (chamadas muitas vezes de dimensões).

Inúmeras simulações computacionais empregam geradores de sequências numéricas pseudo-aleatórias. Para a geração de grandes sequências, este procedimento é mais barato e prático do que a construção, por exemplo, de mecanismos reais em laboratórios que simulem o acaso.

A escolha dos parâmetros A, B e C no método apresentado acima é crítica e depende de um aparato teórico consideravelmente sofisticado, fora do alcance dos ensinos fundamental e médio. No entanto, sua aplicação em salas de aula do ensino básico demanda apenas o domínio de operações elementares entre números naturais.

Em nosso primeiro exemplo, no qual C vale 17, a repetição começa a ficar evidente com mais do que dezessete iterações. Para efeitos mais convincentes (do ponto de vista intuitivo), valores maiores devem ser escolhidos para o parâmetro C. No entanto, se os parâmetros A e B não forem criteriosamente escolhidos também, mesmo para grandes valores de C podem ocorrer periodicidades em pequenas sequências de números.

Já a escolha da semente X(0) pode depender de dados fornecidos pelo relógio do computador. Assim, dependendo do ano, mês, dia, hora, minuto, segundo e fração de segundo em que o processo iterativo começar a ser executado pela máquina, poderemos ter diferentes valores iniciais para X(0). Isso ajuda a conferir uma maior sensação de aleatoriedade para um mero espectador que apenas observa os resultados, sem conhecer a intimidade do processo de geração de dados. Como este conteúdo pode ser explorado com criativas brincadeiras envolvendo nada além das quatro operações elementares da aritmética, ele se torna perfeitamente acessível aos ensinos fundamental e médio. O contexto computacional pode ser apenas descrito para fins de motivação.

É claro que o estímulo deve ser dado para além de meras contas. Os  alunos precisam saber que a escolha dos parâmetros A, B e C é, em geral, complicada; principalmente se queremos trabalhar com longas sequências de milhares ou milhões de números que pareçam aleatórias.

O fato de uma sequência de números ou movimentos de uma animação em computação gráfica parecer aleatória não significa que de fato o seja. Em compensação, o fato de uma sequência de números parecer previsível, também não significa que seja.

Para que os alunos efetivamente entendam as ideias aqui apresentadas, cabe ao professor instigá-los a criar outros mecanismos matemáticos que produzam sequências pseudo-aleatórias de números. Se tais sequências forem representadas na forma de imagens (via coordenadas em um plano cartesiano, por exemplo), teremos a oportunidade de visualizar a criatividade matemática de nossos jovens. Se tivermos um processo de geração de números pseudo-aleatórios para as abscissas e outro para as ordenadas, teremos a chance de uma visualização de diferentes padrões de aparente caos. E se tais processos puderem ser implementados via programas de computador, em função do caráter iterativo dos algoritmos, temos então a chance de casar matemática com programação de computadores.

Vale observar também que o método apresentado aqui (conhecido como método da congruência), com a equação X(n+1) = [AX(n) + B]mod C, permite que os resultados finais após cada iteração possam ser normalizados, se dividirmos cada X(n+1) por C. Desse modo os resultados finais ficarão confinados ao intervalo fechado [0,1] dos números reais.




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