A redução do cultural ao biológico
Matemática

A redução do cultural ao biológico


A elaboração desses conceitos teve início no final do século XIX, com a construção da teoria das diferenças inatas e permanentes entre bancos e não-brancos. Essas elaborações influenciaram de modo marcante a compreensão das ciências sociais sobre a questão racial. Essa prática, que utiliza critérios de raça para segregar, humilhar, discriminar, foi denominada racismo (Cavaleiro, 2000). Três escolas emergiram nesse período. A etnológico-biológica acreditava que a inferioridade das raças estava ligada às diferenças físicas, podendo explicar outras diferenças culturais. Para comprovar suas elaborações, cientistas dedicavam parte de seus estudos a medir crânios e esqueletos, na busca de provar a correlação entre os caracteres inatos e culturais, levando a uma acentuação do caráter primitivo de determinadas raças (Skidmore, 1976). Houve uma perspectiva histórica que definia as raças como estando permanentemente diferençadas umas das outras, afirmando que ao longo da história teria havido o triunfo das raças criadoras (anglo-saxônicas). Essa corrente mantinha o culto ao arianismo acreditando que a população anglo-saxônica teria alcançado o mais alto nível de civilização, passando de maneira "natural" a conquistar o mundo de modo crescente. Por último, a terceira escola, denominada Darwinismo Social, segundo a qual as raças humanas haviam passado por um processo evolutivo em que as raças superiores teriam predominado e as inferiores estavam fadadas ao desaparecimento (idem). Essas construções científicas vieram contribuir para a consolidação do estereótipo do negro no imaginário social, acreditando que a distinção moral "estava contida" na essência racial, ou seja, características depreciativas como: "negro não sabe falar, não tem educação, não pode ser bonito, não é inteligente, não pode liderar" estariam ligadas a questões fenotípicas, isto é, uma redução do cultural ao biológico, desvalendo-se as características individuais e sociais. As marcas do corpo ou caracteres físicos demarcam as distâncias e os locais ocupados no prestígio social. Por meio de um traço "objetivo" — caracteres físicos —, indica-se o caminho para construções arbitrárias, baseadas na ideologia dominante, as quais passam a atribuir significados que desqualificam a identidade da população negra. Essa associação do caráter social está contido na essência racial leva a perceber a subjetividade da população negra como fixa, acabada e imutável nas atribuições negativas, portanto, com pouca ou nenhuma possibilidade de mobilização. Essa naturalização do caráter social foi uma forma de justificar a diferença de tratamento, status e prestígio, levando a uma relação racista, perversa e nociva. Uma idéia biológica errônea, mas eficaz o suficiente para manter e reproduzir a ideologia dominante nos seus objetivos de reproduzir as diferenças e privilégios, consolidou a suposta superioridade branca, que passou a ser sinônimo de pureza, nobreza estética e sabedoria científica. Em contrapartida, a cor negra passou a ser sinal do desrespeito e da descrença (Guimarães, 1999). Essa manifestação de desigualdade de poderes e direitos não possui uma origem natural, como foi pensado anteriormente, mas partiu de uma construção social sem base objetiva decorrente de representações ideológicas que englobam crenças e valores de um grupo dominante que busca manter a ordem social ou o ideal do ethos branco. Seu objetivo é sustentar as relações assimétricas e monopolizar as idéias e ações de um determinado grupo, mantendo-o preso e dominado por esses conceitos, falseando a realidade, ocultando contradições reais, construindo no plano imaginário um discurso aparentemente coerente e a favor da unidade social. Parece haver interesse na transmissão de uma ideologia inferiorizadora, que objetiva dominar, dividir, eliminar, desculturalizar, embranquecer, perpetuando mitos e estereótipos negativos referentes à população negra. A conseqüência desses atos discriminatórios é a fragilização e a denegação da identidade coletiva, na qual estão contidos toda uma historicidade e valores culturais. Essa apropriação do discurso social é possível, pois a estrutura subjetiva — identidade — é relacional, formada a partir da relação progressiva e dialética entre "eu" e os "outros". Mediante as semelhanças e diferenças, ou seja, os contrastes, passamos a distinguir o sou/somos e não sou/não somos. O referencial externo passa a ser condição fundamental para a elaboração da imagem individual. A nossa identidade responde ao discurso alheio. O entendimento que tenho de mim está diretamente ligado à minha compreensão do outro, algo que está fora, mas, ao mesmo tempo, fornece condições para que o sujeito exista. Nesse sentido, a construção da identidade, assim como sua manutenção, se constituirá dentro do processo social, quando o olhar do outro poderá ou não proporcionar o reconhecimento ou sentimento de pertença ao grupo social (Woodward, 2000). A condição acima citada parece estar resumida em uma afirmação enfática do sociólogo Berger (1991): "A dignidade humana é uma questão de permissão social".A princípio, ela nos causa um certo impacto, mas, ao analisarmos as conseqüências do preconceito racial, percebemos que se encontra coerente com a afirmação citada, pois o preconceito inviabiliza o reconhecimento da dignidade do sujeito, comprometendo a sua inclusão social. Esse estado de não-permissão social concretiza-se quando percebemos a falta de pertença, uma invisibilidade na participação dos negros no poder político e uma limitada inserção na sociedade. Os negros se vêem descartados dos principais centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no processo competitivo e em sua mobilização social e individual. Isso significa "simbolicamente" um corte de poder e uma exclusão social, levando à alienação e à depreciação da identidade pessoal e étnica (d’Adesky, 2001). O preconceito afeta não apenas o destino externo das vítimas, mas a sua própria consciência, já que o sujeito passa a se ver refletido na imagem preconceituosa apresentada. Muitos negros são induzidos a acreditar que sua condição inferior é decorrente de suas características pessoais, deixando de perceber os fatores externos, isto é, assumem a discriminação exercida pelo grupo dominante. Nesse momento, surge a idealização do mundo branco e a desvalorização do negro, construindo-se a seguinte associação: o que é branco é bonito e certo, o que é negro é feio e errado. Devido a esse processo de alienação de sua identidade individual e coletiva, há um distanciamento, por parte dos negros, das matrizes culturais africanas, chegando eles, em alguns momentos, a tratar com menos valor seus atributos negros, podendo, inclusive, não questionar os estereótipos e situações preconceituosas, com medo de não ser aceitos pelo seu grupo social, preferindo permanecer submissos. Ao incorporar esse discurso ou omitir-se frente a ele, o sujeito negro dá início ao processo de auto-exclusão. Nesse momento, o preconceito cumpre o seu papel, mobilizando nas suas vítimas sentimentos de fracasso e impotência, impedindo-as de desenvolver autoconfiança e auto-estima (Ferreira, 2000). O preconceito racial cria uma ação perversa que desencadeia estímulos dolorosos e retira do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-o a utilizar mecanismos defensivos das mais diversas ordens, contra a identidade ou o pensamento persecutório que o despersonaliza e o enlouquece. Nessa perspectiva, é fortalecida a idéia de dominação de grupos que se julgam mais adiantados, legitimando os desequilíbrios e desintegrando a dignidade dos grupos dominados. Essas elaborações preconceituosas parecem estar, assim, a serviço de um grupo dominante que objetiva manter sob coerção grupos considerados subordinados. A sua forma de consolidação e constante atualização ocorre nos espaços microssociais, representados pelas diversas instituições, como escola, família, igreja, meios de comunicação. A sua forma de manifestação, em geral, é feita de modo sutil, com toda a legitimação social no que se refere aos métodos e à garantia da sua conseqüente eficácia. Assim, escolhi um daqueles espaços — a escola — como universo de investigação, que pode ser campo fértil para a difusão do preconceito, mas que poderá ser instrumento eficaz de prevenção e diminuição do mesmo. fonte:http://conscienciapura.zip.net/




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