Como seguir uma carreira de pesquisador
Matemática

Como seguir uma carreira de pesquisador



Este texto é destinado principalmente aos jovens que querem iniciar carreira científica.

Se minha memória não falha, certa vez alguém perguntou a Bertrand Russell o seguinte: "O que é necessário para uma pessoa se tornar um Bertrand Russell?". Este grande pensador do século 20 teria respondido que bastava nascer rico e lorde. 

De fato Russell veio de uma família aristocrática inglesa. Foi também um conde. Mas, mais importante, publicou obras perenes sobre política, filosofia, educação, matemática, religião e até lógica. Principia Mathematica, escrito em parceria com Alfred Whitehead, é provavelmente a mais impactante obra de popularização da lógica-matemática, com monumental impacto sobre a filosofia da matemática. 

Russell nasceu em uma família influente, tradicional, rica e nobre. E soube aproveitar muito bem essas oportunidades para produzir trabalhos de extraordinária originalidade e polêmicos até os dias de hoje. 

Mas e aqueles que nascem sem esses privilégios? Pessoas de origem humilde e até mesmo bastarda podem produzir conhecimentos científicos ou filosóficos de alto nível? É possível um Jon Snow ou um John Doe da vida se tornar um grande cientista?

Michael Faraday nasceu em uma família muito pobre e pode contar apenas com uma educação básica. Teve pouquíssimo acesso a educação formal, sendo obrigado a estudar como um autodidata. Mas acabou se tornando um dos mais influentes cientistas da história. Como? Em parte por conta de seu contato, desde muito cedo, com grandes expoentes da ciência e da filosofia da época, como Humphry Davy e John  Tatum. Ele fez isso aos vinte anos de idade.

Ou seja, isoladamente não há como alguém produzir conhecimentos científicos ou filosóficos relevantes. Mas dificuldades como escassez de recursos financeiros, educação ruim ou família sem tradição cultural alguma, não chegam a ser obstáculos intransponíveis. São apenas dificuldades, nada mais. 

Portanto, independente de onde você venha, existem caminhos que são praticamente mandatórios para iniciar uma prolífica carreira de produção científica. É importante ressaltar que o que define uma carreira de produção científica inevitavelmente se traduz em termos de produção de trabalhos originais e relevantes publicados em veículos especializados de alto nível notoriamente reconhecidos como tais. Mas, como conquistar isso? Segue abaixo uma lista de passos fundamentais.

1) Faça justiça à sua curiosidade. Leia, observe, dialogue e pense. Sem curiosidade natural e incessante, não há chances de se realizar produção científica ou filosófica relevante. Mas saiba o que ler. É preciso ler as fontes originais das grandes ideias. Quer conhecer a teoria da relatividade? Leia os textos de Einstein e de todos aqueles que contribuíram para o desenvolvimento posterior desta teoria. Observe os modos de pensar e agir daqueles que produzem conhecimentos. Dialogue com aqueles que produzem conhecimento. Pense criticamente sobre o que lê, observa, ouve e fala. Isso mesmo! Até aquilo que você fala ou escreve deve passar por uma análise promovida pelo seu pensamento crítico. 

2) Não permita a interferência de emoções. Uma das principais barreiras contra o desenvolvimento intelectual é o descontrole emocional. Se alguém criticar as suas ideias, pense racionalmente sobre as críticas e decida se há necessidade de resposta e como ela deve ser dada. Mas jamais leve para o lado pessoal, mesmo que a crítica atinja a sua pessoa. No meio acadêmico existe muita frustração. E frequentemente essa frustração se traduz com ataques pessoais. No entanto, não existe método infalível para distinguir críticas que se originam de frustrações daquelas que se originam de uma postura honesta e imparcial. Se o seu objeto de estudo é, por exemplo, filosofia das imagens, não há motivo algum para disputar com alguém se você tem capacidade ou não para filosofar sobre imagens. Concentre-se sempre no tema de seu objeto de estudos. Neste livro publicado pela Springer, por exemplo, Clifford Truesdell se refere a Patrick Suppes e colaboradores como idiotas e estúpidos (não estou exagerando). Isso impediu Suppes de fazer contribuições históricas em filosofia e teoria da cognição? Certamente não. Trabalhei com Suppes e sei que ele se esforçava para pensar meticulosamente sobre as críticas que recebia. 

3) Adapte-se ao sistema de ensino formal. Nossas escolas e universidades são templos da perdição, em termos de senso crítico e cultivo do conhecimento. A estupidez, a arrogância, a política rasteira e a mediocridade são elementos dominantes. Mas nossas escolas e universidades são também excelentes pontes de acesso aos grandes centros de pesquisa espalhados pelo mundo. Portanto, tenha paciência. Este item é uma extensão natural do item 2. Se o professor espera que você escreva bobagens nas provas, escreva bobagens nas provas. Você precisa do apoio institucional para seguir uma carreira séria e frutífera. E esta é uma questão muito delicada, pois pode facilmente conduzir a uma prostituição intelectual, como geralmente acontece. Por isso, tome cuidado! Jamais perca contato com as fontes do conhecimento que efetivamente transformam o mundo. E não tente mudar os medíocres. Jamais podemos mudar o diabo, mas o diabo pode nos transformar. Os medíocres detém poder para atrasar e até prejudicar a sua vida acadêmica. Por isso mesmo você precisa de uma vida paralela, na qual mantenha contato consistente com pesquisadores que efetivamente produzem conhecimento original e relevante.

4) Não perca tempo. A juventude é a melhor época para aprender. Quanto mais cedo você iniciar seus estudos, maior proveito terá da sua criatividade. Muitas contribuições de alto impacto em ciência foram feitas por jovens. Mas não perca de vista o item 2. Caso você não consiga produzir algo relevante antes dos trinta anos de idade, mantenha a persistência na busca pelo conhecimento. Mas também considere a possibilidade de mudar suas estratégias de investigação. É sabido que em física teórica a maioria das contribuições que resultaram no Prêmio Nobel foram feitas antes dos trinta anos. Já em áreas de pesquisa como medicina e história o fator idade tem um peso consideravelmente menor. Mesmo assim tem sido constatado, ao longo de décadas, um gradual aumento na idade limite para contribuições científicas máximas em áreas mais abstratas como física e matemática. 

5) Seja estratégico. No Brasil a escolha de área de conhecimento tem um peso grande. Física e matemática são áreas que conquistaram certo respeito no cenário internacional. Filosofia, história e educação, porém, são exemplos de áreas do conhecimento muito imaturas ainda em nosso país, com incipiente repercussão internacional. Se você decidir por uma área forte no Brasil, há várias boas opções de instituições (como o IMPA, o CBPF, o IME-USP, entre outras) que naturalmente o colocarão em contato com os grandes centros mundiais, dependendo da qualidade de seu trabalho. Mas se você optar por áreas de pouca repercussão internacional, empenhe-se para avançar seus estudos a ponto de colocá-lo em contato com boas instituições estrangeiras. Isso pode ser feito até mesmo durante um eventual pós-doutorado. Mas se puder fazer isso via bolsas sanduíche ou o Programa Ciência Sem Fronteiras, melhor ainda. Quanto mais cedo ocorrer o contato com os grandes centros, melhores serão os resultados de seu trabalho.

6) Procure bons professores orientadores. Procure a orientação de pesquisadores com produção consistente em bons veículos de circulação internacional. E faça isso com o objetivo explícito de publicar em bons periódicos especializados. Se não for possível, peça a orientação do professor mais experiente e de mente aberta que você puder encontrar. E use a instituição na qual estuda como trampolim para mergulhá-lo em uma realidade melhor, mais produtiva e competitiva. Essa orientação pode ser até mesmo uma iniciação científica informal ou um trabalho de conclusão de curso.

7) Aprenda a viver. Em uma conversa pessoal, o grande matemático pernambucano Leopoldo Nachbin disse o seguinte: "Para fazer matemática é preciso estar no lugar certo, com as pessoas certas, no momento certo e ainda ter sorte." Creio que esta visão pode ser estendida para qualquer área do conhecimento. Ou seja, sempre existem incertezas em qualquer investimento audacioso. Quando finalmente se aprende a publicar em periódicos de alto nível, descobre-se que esta não é uma tarefa tão complicada assim. Complicado é publicar algo realmente relevante, que faça a diferença no conhecimento científico mundial. E este é um desafio encarado por praticamente todos os pesquisadores do mundo. O próprio Nachbin, que abriu um ramo da matemática hoje conhecido como espaços de Hewitt-Nachbin, disse na mesma conversa: "Eu gostaria de ter feito mais." O bom pesquisador é uma pessoa permanentemente insatisfeita. Mas é uma insatisfação que não a consome, não a tormenta. É apenas uma insatisfação que a faz desejar fazer mais, muito mais. Assim como escolas ruins devem ser usadas como trampolim para mergulhar em instituições de alto nível, essas últimas devem ser usadas como trampolim para mergulhar na ciência, na tecnologia, na filosofia, na história e nas artes.




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