Matemática
Concurso de Cinema e Educação: Resultado
Recentemente fizemos uma chamada para o Concurso Cinema e Educação. Apesar deste blog estar com uma média de acessos superior a dez mil visualizações mensais, apenas uma pessoa submeteu algum ensaio: o leitor Thiago Melara Adames, de Curitiba, Paraná. Não sei se foi por mera sorte de todos nós ou por obra da Divina Providência, mas Thiago conseguiu escrever um texto que vale por dez mil ensaios infestando a internet e outras mídias.
Um jovem de 19 anos conseguiu realmente me deixar perplexo. Além de escrever de forma muito elegante, com evidente propriedade, também conseguiu estabelecer um profundo paralelo entre cinema, educação e sociedade que eu mesmo, pensando sobre essas questões há décadas, não havia antecipado com tanta clareza. É o primeiro adolescente que vejo conhecer Ortega y Gasset e, pior, compreender muito bem este sábio autor (hoje ignorado pela vasta maioria). É um raro representante de uma classe da juventude brasileira que, além de conhecer e admirar a obra cinematográfica do inesquecível e duramente injustiçado Orson Welles, ainda encontra coragem para conhecer o filme Transformers, de Michael Bay (algo que até hoje não consegui fazer). Se Thiago fosse um intelectual radical, imagino que citaria Theodor Adorno. Mas nem isso ele fez! Preferiu Ortega y Gasset, um crítico social muito mais equilibrado. Isso porque paixão não é sinônimo de radicalismo, algo que Thiago demonstra claramente em seu texto. Se Thiago fosse um tolo intelectualóide, citaria o amalucado Jean-Luc Godard ou o inconstante Werner Herzog como respeitável diretor de cinema. Mas também não foi este o caminho traçado. Optou pelo criador de Cidadão Kane, talvez a mais importante obra cinematográfica da história. Escolheu como referência artística o visionário que dirigiu a mais enaltecida montagem de Shakespeare da história do teatro dos Estados Unidos, um país com respeitável tradição nesta área.
No entanto, há uma contradição evidente neste ensaio: Thiago demonstra uma visão pessimista em relação à sociedade, apesar de ele mesmo ser um indivíduo que se denuncia como sinal de otimismo para todos nós. Isso porque Thiago é um representante da nova geração. Mas é um representante que não se entrega à decadência social brasileira. O declínio do cinema que Thiago discute brevemente aqui não é novidade. Já houve crises semelhantes em outras épocas. Nos anos 1970, por exemplo, o cinema mundial foi revitalizado graças a diretores como Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg. Mas não faz sentido compará-los com artistas como Roman Polanski, Stanley Kubrick ou Orson Welles. Isso prova que a crise da sétima arte está mais grave do que nunca. Além disso, o tema do texto que segue abaixo não é o mero declínio do cinema, mas sua íntima relação com o declínio cultural que o mundo experimenta.
Outras manifestações artísticas também demonstram vertiginosa queda, incluindo até mesmo a música popular. Cantores são idolatrados pelas massas, como a famosa Adele, que sequer sabe respirar enquanto canta. Músicos como George Harrison e Donovan são praticamente ignorados, apesar de terem inovado significativamente com a incorporação de elementos da música indiana no mundo ocidental. E quando Pablo Picasso introduziu sua arte minimalista (em radical oposição ao pretenso realismo), esta gradualmente se vulgarizou. Andy Warhol fez arte a partir da cultura popular do consumismo. E mais recentemente vi uma exposição em um museu na qual as peças artísticas eram pelos pubianos e pedaços de unhas. O incrível é que essas pequenas coleções de raspas humanas foram vendidas a colecionadores por considerável preço. Até a literatura sofre dos mesmos sintomas, com a popularização de obras de autores medíocres que escrevem sobre crianças bruxas, adolescentes vampiros e mulheres que se entregam a doses homeopáticas de rituais de sadomasoquismo. O que há de realmente novo? No passado autores genuinamente relevantes como Edgar Allan Poe, Hermann Hesse e Robert Louis Stevenson foram extremamente populares durante suas vidas. E hoje? Hoje, ser popular é sinônimo de mediocridade.
É claro que o cinema atual ainda conta com belíssimas pérolas, como o francês Irreversível, de Gaspar Noé, e o norte-americano Inverno da Alma, de Debra Granik. Mas estes são filmes comumente ignorados entre os fãs do sucesso do momento. E é claro que a sociedade ainda conta com jovens de extremo valor humano, como Thiago Melara Adames, entre inúmeros anônimos. Mas estes são indivíduos que usualmente devem fazer seu silencioso trabalho longe das grandes massas.
Espero que você, leitor, aproveite bem o texto abaixo. Afinal, sabedoria não tem idade. O estereótipo do pensador como um velho barbudo recluso é definitivamente destruído aqui.
A Voz Rouca de Deus
Vive-se num mundo em que são exibidas versões dubladas de filmes para maiores de idade. Não é de surpreender, pois, que cada vez mais salas de cinema se restrinjam a shopping centers: a sétima arte se tornou nada mais que mero entretenimento, algo para se curtir depois da compra de um sapato e antes de BigMac. Por que o cinema perdeu tanto prestígio? Por que quanto mais pessoas assistem a filmes mais parece que declina a arte? É preciso lembrar que esta não existe sem espectador, uma obra não vista não é obra artística. E, creio, é sobre o público que recai a maior parte da ?culpa? desse declínio. Digo isso porque não vejo como pode o cinema, com pouco mais de século de existência, cair de nível definitivamente. Talvez haja apenas uma queda efêmera da qualidade ? e estariam os cinéfilos agindo como aqueles pais que gritam ?Tuberculose!? à primeira tosse do filho ? talvez nem isso. Entretanto é impossível negar certa imbecilização dos filmes no circuito. A grande massa demanda produtos de cada vez mais fácil assimilação; produtores fazem cada vez mais remakes, continuações, adaptações de best-sellers.
Esse é o grande feito da modernidade: a universalização da cultura! Agora todos têm acesso a ela, e, por outro lado, tudo se tornou cultura. Hoje a massa se rebela contra o crítico, se pergunta por que existe tal profissão, se questiona por que não se pode desligar o cérebro por algumas horas e apenas se divertir, quer saber o porquê de se preocupar se isso trará menos prazer. São indagações relevantes, sem um gosto crítico tudo parece bom: Michael Bay se iguala a Orson Welles. Objeto que simplesmente apreciar algo não é ter um entendimento artístico desse algo, mas a objeção se torna nula, pois é justamente esse entendimento o que a massa nega. Não percebe que para apreciar Bay perderá grande parte de Welles. Vejo aí a grande característica da massa: a falsa ideia da igualdade entre os homens.
Então, para responder às perguntas do primeiro parágrafo, é preciso analisar essa falsa ideia. Poder-se-ia dizer que vem da humildade, de que se acredita nisso justamente por se achar que todos os homens devessem ser iguais. Para mim é o exato oposto: a origem dessa falsa ideia é a suprema arrogância. A massa acha que compreende tudo! Não passa por sua cabeça que não o possa fazer e quando encontra um impedimento se recusa a admiti-lo. Uma justificativa para assistir a um filme dublado é que assim se poderá entender melhor a história. Não percebe a massa que já aí perdeu parte da ?história?. Mas não há por que se restringir ao cinema: a massa reclama de ter que ler Machado de Assis para o vestibular: ?Deveríamos ler livros atuais, algo da nossa época!?, afinal, mais fácil que tentar entender outras épocas é negá-las, isso ainda dá a confortável sensação de que se vive na época suprema, de que as anteriores não foram senão preparação para esta. A massa se sente mais esperta à medida que ignora suas incapacidades. E, quando não vê mais diferença entre a obra-prima e a bomba cinematográfica, quando não vê como pode desconhecer algo, supõe que todas as obras têm o mesmo valor, que todas as pessoas têm a mesma capacidade. Todos são iguais! Mas a realidade não muda de acordo com a opinião das pessoas: alguns filmes são mais que outros, algumas pessoas têm capacidades superiores. Ao se deparar com esses fatos, antes de ignorá-los a massa os reprova: vaia o filme que não compreende, acusa o próximo de pedante. Não se pode não ser da massa, não se pode não ser igual!
Constituiria grande erro se supor agora que a massa tem algo a ver com classes sociais. Como disse Ortega y Gasset n?A Rebelião das Massas, faz parte da massa grande porção dos mais abastados. Os médicos e os engenheiros são absolutamente respeitados, são absolutamente necessários, mas são, muitas vezes, apenas técnicos, apenderam apenas para aplicar, sem ter ideia da ciência, sem uma cosmovisão. Talvez se torne um grande engenheiro a criança que pede no primeiro dia de aula: ?Para que tenho que estudar Matemática??, mas será indubitavelmente massa, se o único fim que encontrou depois dos estudos foi a aplicação prática. Até Ciências ?menos necessárias? (por isso, mais nobres) sofrem com tal problema da massa: Filosofia, Sociologia não são estudadas pela ânsia de se entender o mundo e a vida social, mas sim para se transformar o mundo, para que se criar um mundo melhor, o que quer que isso signifique.
Não é difícil encontrar a massa nas escolas, o aluno que se rebela contra a autoridade do professor, pois não quer que lhe sejam apresentados fatos que não compreende, mas, ao mesmo tempo, não admite uma nota baixa, afinal ele compreende tudo. Os pais reclamam com o professor, se o filho for capaz de arrumar um emprego está de bom tamanho. Estuda-se pela técnica, pelo que o estudo poderá proporcionar em termos materiais. Na universidade, muitos a veem apenas como um passo para se conseguir um bom emprego. Daí se tiram conclusões absurdas, como a de que a educação deve ser incentivada, porque favorece o desenvolvimento econômico do país (e não como um fim e, mais ainda, como o maior bem individual). Não é de se admirar que, dessa forma, professores façam uma greve gigantesca, afinal, se educação é um bem coletivo, nada mais justo do que politizá-lo.
E, se educação é política, o resto também vira política. Artes, esportes, famílias, etc.. Nada escapa da massa, que homogeneíza tudo, a começar por si mesma. Quando nenhum princípio superior resta, quando tudo é igual, quando tudo é política, não há como se escolher ?racionalmente? coisa alguma, tudo passa a ser questão de opinião, de voto. Michael Bay versus Orson Welles é apenas uma eleição. Ao que parece, venceu Transformers. Dublado.
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