Galileu e a Queda dos Corpos
Matemática

Galileu e a Queda dos Corpos


Galileu Galilei O exemplo mais familiar de movimento retilíneo uniformemente acelerado é a queda livre de um corpo solto em repouso. Este foi um dos problemas analisados por Galileu em seus trabalhos, que deram origem à era moderna da física.

Os gregos da época clássica encontraram dificuldades intransponíveis na análise do movimento. Essas dificuldades estavam relacionadas com a formulação dos conceitos básicos do Cálculo Infinitesimal (como os de limite, derivada e integral), que nasceram precisamente da análise do problema do movimento. No século V a.C., Zenon de Eléia formulou quatro célebres paradoxos, um dos quais, “Aquiles e a tartaruga”, está diretamente relacionado com este problema: Aquiles aposta uma corrida com uma tartaruga, e é 10 vezes mais veloz que ela. A tartaruga parte antes dele, de modo que está a uma distância d quando Aquiles parte. Quando Aquiles atinge a distância d, a tartaruga já terá percorrido uma distância adicional d/10, e continuará à frente de Aquiles. Quando Aquiles tiver percorrido a distância d/10, a tartaruga terá percorrido d/100, e assim por diante: a conclusão do paradoxo é que Aquiles nunca conseguirá alcançar a tartaruga. A dificuldade básica dos gregos estava em entender que a soma de uma série infinita de intervalos de tempo que tendem a zero rapidamente (em progressão geométrica) pode ser finita.

Na Física de Aristóteles (século IV a.C.), a matéria era analisada em termos dos “Quatro Elementos”: Terra, Água, Ar e Fogo, cada um dos quais teria seu “lugar natural”: Água (oceanos) e Terra em baixo, Ar e Fogo (sol e estrelas) em cima. Um elemento deslocado de seu lugar natural procuraria regressar a ele: isto explicaria porque a fumaça sobe, ao passo que um corpo, mais depressa ele cai: uma pedra cai bem mais depressa que uma gota de chuva. Estas idéias. Baseadas em observações qualitativas, transformaram-se em dogma e predominaram durante cerca de 20 séculos!

Galileu Galilei nasceu em Pisa em 1.564. Recebeu a educação Aristotélica convencional. Tendo sido enviado pelo pai à Universidade de Pisa para estudar medicina. Entretanto, interessou-se mais pela matemática e conseguiu mudar para esse campo. Com 21 anos, teve de deixar a Universidade por falta de recursos e foi para Florença; Em Florença, conseguiu rapidamente estabelecer uma tal reputação científica que, aos 26 anos, foi nomeado Professor de Matemática da Universidade de Pisa. Passou dois anos em Pisa, onde fez muitos inimigos devido ao seu espírito independente. Depois mudou-se para a Universidade de Pádua, onde permaneceu como Professor de Matemática durante 18 anos. Foi um grande professor, chegando a ter 2.000 alunos em sua “aula magna”.Foi em Pisa que Galileu procurou verificar experimentalmente se as idéias de Aristóteles de fato eram válidas (o que era então uma atitude revolucionária). Entretanto, as célebre história sobre a bala de canhão e a bala de fuzil que teria deixado cair do alta da Torre de Pisa para verificar se a de canhão realmente atingia o solo antes da outra parecer ser apócrifa. Uma experiência desse tipo parece ter sido feita por Simon Stevin, um cientista holandês precursor de Galileu, que dela teria tido conhecimento.

Em Pádua, Galileu se tornou um defensor da teoria de Copérnico. Voltou à Toscana em 1.610, como Filósofo e Matemático da Corte, e em 1.632 publicou o seu “Diálogo sobre Dois Principais Sistemas do Mundo” defendendo Copérnico. Pouco depois, deu-se o choque com a Inquisição, que manteve Galileu virtualmente como prisioneiro. Foi então, já quase cego, que ele escreveu seu livro mais importante, Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas Ciências”, contrabandeado para a Holanda e lá publicado em 1.638, quatro anos antes de sua morte.

Ambos os livro são escritos em forma de diálogo entre 3 personagens: Salviati (que representa Galileu), Simplício (defensor de Aristóteles) e Sagredo (representando um observador imparcial inteligente). Na 1ª Jornada, Salviati refuta Aristóteles:

“Aristóteles diz que “uma bola de ferro de cem libras, caindo de cem cúbitos (1 cúbito equivale a cerca de 45 a 50cm) de altura, atinge o solo antes que uma bala de uma libra tenha caído de um só cúbito”. Eu digo que chegam ao mesmo tempo. Fazendo a experiência, você verifica que a maior precede a menor por dois dedos, ou seja, quando a maior chegou ao solo, a outra está a dois dedos de altura;você não pode querer esconder nesses dois dedos os noventa e nove cúbito de Aristóteles...”

Galileu atribui as pequenas discrepâncias de tempo de queda, no exemplo citado, ao efeito da resistência do ar, que pode afetar bem mais um corpo mais leve, explicando assim as observações qualitativas em que Aristóteles se baseara. Mais tarde, com a invenção da máquina pneumática, foi possível verificar que objetos de pesos muito diferentes, de fato, caiam ao mesmo tempo, quando se eliminava a resistência do ar, fazendo o vácuo.

Galileu inicia a 2ª parte dos “Discursos” anunciando qual é seu propósito:

“Meu objetivo é expor uma ciência muito nova que trata de um tema antigo. Talvez nada na natureza seja mais antigo que o movimento, e os livros escritos por filósofos sobre este tema não são poucos nem pouco volumosos; todavia, descobri pela experiência algumas propriedades dele que merecem ser conhecidas e que não foram observadas nem demonstradas até agora. Foram feitas algumas observações superficiais, como, a de que o movimento em queda livre de um corpo pesado é continuamente acelerado, mas exatamente de que forma esta aceleração ocorre não foi anunciado até agora...

Foi observado que os projéteis descrevem algum tipo de trajetória curva; mas ninguém mencionou o fato de que esta trajetória é uma parábola. Consegui demonstrar este e outros fatos, nem um pouco numerosos nem menos dignos de nota; e, o que considero mais importante, foram abertos a esta vasta e excelentíssima ciência, da qual meu trabalho é apenas o começo, caminhos e metas pelos quais outras mentes, mais agudas do que a minha, explorarão seus recantos mais remotos“.

Depois de definir e discutir o movimento uniforme, Galileu passa a tratar o movimento uniformemente acelerado, definindo-o como aquele em que ocorre incrementos iguais de velocidade em tempos iguais (Galileu havia pensado primeiro numa definição em que incrementos iguais de velocidade corresponderiam a percursos iguais, mas logo percebeu que ela não seria satisfatória). Assim, foi o primeiro a definir aceleração.

Um estudo experimental direto da queda livre seria muito difícil naquela época, porque os tempos de queda nas condições usuais são muito curtos. Galileu resolveu esta dificuldade diminuindo a aceleração, com o auxílio de um plano inclinado. Em lugar de mediar a velocidade em função do tempo, o que teria sido muito difícil, mediu a distância percorrida por um objeto descendo por um plano inclinado a partir do repouso, mostrando que cresce com o quadrado do tempo, o que, conforme ele havia provado na discussão anterior, é característico do movimento uniformemente acelerado:

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É interessante observar como Salviati descreve a experiência:

“Foi tomada uma prancha de madeira, com cerca de 12 cúbitos de comprimento, meio cúbito de largura e três dedos de espessura; na beirada dela, foi escavado um canal de pouco mais de um dedo de largura; tendo feito este canal bem reto, liso e polido, e tendo-o forrado com pergaminho, também tão liso e polido quanto possível, fizemos rolar ao longo dele uma bola de bronze dura, lisa e bem redonda. Tendo colocado a prancha numa posição inclinada, elevando uma extremidade um ou dois cúbitos acima da outra, rolamos a bola, como estava dizendo, ao longo do canal, notando, na forma que vamos descrever, o tempo com tal precisão que o desvio entre duas observações nunca excedesse um décimo de um batimento do pulso (cardíaco). Tendo executado esta operação e tendo-nos assegurado que o resultado merecia confiança, fizemos a bola de apenas 1/4 do comprimento do canal; e, tendo medido o tempo de descida, encontramos precisamente a metade do anterior. Tentamos a seguir outras distâncias, comparando o tempo para o comprimento total com aquele para a metade, ou 2/3, ou 3/4, ou qualquer outra fração; em tais experiências, repetidas cem vezes, sempre encontramos que os espaços percorridos estavam entre si como os quadrados dos tempos, e que isto valia para qualquer inclinação do plano, ou seja, do canal, ao longo do qual fazíamos rolar a bola...

Para a medida de tempo, empregamos um grande recipiente com água, colocando numa posição elevada; um cano de pequeno diâmetro foi soldado ao fundo do recipiente, deixando escoar um filete de água. Que era coletado num copinho no decurso de cada descida, fosse ela ao longo de todo o canal ou apenas de uma parte dele; a água assim coletada era pesada, após cada descida numa balança de muita precisão; as diferenças e razões desses pesos nos davam as diferenças e razões dos tempos, e isto com tanta precisão que, embora a operação fosse repetida muitas e muitas vezes, não havia discrepância apreciável entre os resultados.”

As experiências de Galileu, e muitas outras posteriores, acabaram estabelecendo como fato experimental que o movimento de queda livre de um corpo solto ou lançado verticalmente, na medida em que a resistência do ar possa ser desprezada, é um movimento uniformemente acelerado, em que a aceleração é a mesma para todos os corpos (embora sofra pequenas variações de ponto a ponto da Terra). Esta aceleração da gravidade é indicada por g e seu valor aproximado é:

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Referências:

[1] Curso de Física Básica – V1 Mecânica - H. Moysés Nussenzveig


Veja Mais:

O Teorema de Stevin
Medidas de Tempo
EDO: Queda dos Corpos em Queda Livre





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