O Exorcista e A Universidade Brasileira
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O Exorcista e A Universidade Brasileira




FADE IN. Sem créditos iniciais, a primeira cena inicia com uma tomada externa noturna, na qual vemos a residência onde mora Regan, a menina interpretada por Linda Blair. O quarto da garota é o único aposento com luz acesa. A luz se apaga e a câmera desloca lentamente para baixo e para a direita, fixando-se em seguida em um casal que caminha pela rua completamente alheio sobre o que se passa na casa ao lado. Logo depois a tomada dissolve para o rosto de uma estátua que remete à Virgem Maria. FADE OUT. CRÉDITOS.

Esta é a apresentação de um dos mais belos filmes já realizados na história do cinema: O Exorcista, de William Friedkin. Com roteiro de William Peter Blatty, baseado em seu próprio romance - e embalado pela extraordinária Tubular Bells, do britânico Mike Oldfield - O Exorcista é uma obra prima de um dos períodos mais felizes do cinema estadunidense, a década de 1970 (que produziu Guerra nas Estrelas, O Poderoso Chefão, O Homem de Palha, Sem Destino, entre muitos outros). 

Para o público em geral, O Exorcista é um filme de terror no qual a menina Regan é possuída por alguma entidade oculta e maligna. Por inusitada recomendação médica, a mãe decide pedir ajuda a um jovem e confuso padre, o qual recorre a um sacerdote mais velho para a realização de um ritual de exorcismo. No final do filme os dois padres morrem brutalmente. No entanto, Regan se livra do mal. Seu corpo não está mais subjugado àquela entidade diabólica. Em suma, O Exorcista parece, aos olhos do grande público, uma história que começa mal e termina bem, apesar do trágico sacrifício de dois sacerdotes da Igreja Católica. Aparentemente se trata de mais um exemplo hollywoodiano do bem triunfando contra o mal. Mas esta percepção superficial está evidentemente equivocada. E é justamente neste detalhe que reside a extraordinária beleza do filme.

Existe uma trama principal em O Exorcista tão oculta e misteriosa quanto a entidade que toma posse do corpo de Regan. 

O Exorcista é claramente uma arquitrama, dividida em três atos (começo, meio e fim; apresentação, conflito e resolução), obedecendo às regras usuais de histórias clássicas (como consistência, irreversibilidade de eventos e ordem cronológica). Sendo assim, devemos prestar especial atenção à maneira como as personagens são exploradas durante o filme. 

Regan aparece pela primeira vez após quase doze minutos de projeção. Mesmo assim ela está dormindo, enquanto a mãe escuta estranhos ruídos que pareciam vir do quarto da filha. Tais ruídos são a continuação da apresentação da personagem oculta, a tal da entidade que posteriormente toma posse da garota, gerando o principal conflito. Esta personagem oculta foi a primeira a ser apresentada, justamente na primeira cena do filme. Portanto, a personagem principal não é Regan, mas a entidade (uma personagem sem rosto, sem nome, que se esconde covardemente nas trevas). 

Após os créditos iniciais, os próximos minutos são dedicados inteiramente ao padre Merrin, interpretado pelo veterano Max von Sydow. Merrin é um padre idoso, que anos atrás havia realizado um exorcismo bem sucedido na África, mas que quase lhe custou a vida. Hoje ele é um senhor de saúde debilitada e muito cansado, realizando escavações arqueológicas no Iraque. Através de simbolismos brilhantemente bem colocados, com sombras que se movem, um relógio que para e cães ferozes, fica claro que a entidade oculta está provocando o idoso sacerdote, dizendo-lhe: "Não esqueci de você, homem de Deus."

Isso significa que a força antagônica sobre a personagem principal é o Padre Merrin, aquele que, através da fé em Jesus Cristo, conseguiu livrar uma criança do mal no continente africano, após meses de luta. Mas a entidade oculta é consistentemente covarde. Ela toma posse de crianças indefesas e esperou tempo o suficiente para que a saúde do Padre Merrin enfraquecesse.

Regan foi apenas instrumento para a entidade oculta exercer seu plano de mesquinha vingança contra o humano Padre Merrin.

Em resumo, O Exorcista é um filme no qual o mal triunfa sobre o bem. É uma mensagem que se deposita inconscientemente na platéia e que justifica, em parte, o grande sucesso da película como um dos clássicos do terror. Isso porque as grandes obras cinematográficas sempre contam com uma intangibilidade que transcende a trama explicitada.

Além do roteiro brilhantemente arquitetado, um dos fatores que contribui para a ilusão de que o filme trata da vitória do bem é justamente a menina Regan. A platéia ficou ofuscada pela pobre vítima Regan que chega a se masturbar com uma cruz em hediondo ritual de autoflagelação. 

O que isso tudo tem a ver com A Universidade Brasileira?

O Brasil é um país notoriamente medíocre em termos de sistema de ensino. Mas essa mediocridade é mais facilmente perceptível em escalas internacionais, que transcendem nossa míope visão local. Basta observar o fracasso brasileiro no PISA, a falta de tradição na produção de ideias, a ausência de prêmios Nobel em nossos círculos acadêmicos, as políticas retrógradas de ensino, as greves nas universidades federais e estaduais. Do ponto de vista do próprio povo brasileiro, porém, a educação brasileira está muito bem. Há quem reclame. Sempre existem aqueles que reclamam, culpando principalmente o Governo Federal. Mas se existisse a convicção de que precisamos de um sistema educacional consideravelmente melhor, certamente teríamos muito mais do que reclamações vazias que apenas preenchem blogs, facebook e eventuais cartazes espalhados pelo país. 

O Brasil está ofuscado por reivindicações irresponsáveis que demandam salários mais elevados para professores. Afinal, coitados dos professores! Eles merecem algo melhor do que um carro popular e uma residência financiada, não importando quais sejam os seus rostos. E no meio desses apelos emocionais a própria população perde de vista o problema real. 

O problema real é que nossa educação está fundamentalmente errada. 

A estabilidade para professores de instituições federais de ensino superior é um erro fundamental. O vestibular é um erro fundamental. O ENEM é um erro fundamental. A centralização da educação é um erro fundamental. A ausência de meritocracia para docentes é um erro fundamental. A falta de um código de ética para professores é um erro fundamental. A falta de avaliação séria de desempenho de docentes e pesquisadores é um erro fundamental. 

Jovens estudantes não podem perder tempo apoiando greves de professores, pois seus mestres simplesmente não sabem o que fazem. Isso porque tais mestres estão cegos e dominados por um sistema ineficiente, corrompido e comodista. Jovens estudantes deveriam se recusar a entrar em uma sala de aula na qual seu professor conta com estabilidade de emprego. Jovens estudantes deveriam exigir que bons pesquisadores e bons professores sejam recompensados por seus sólidos resultados e não por seus vagos esforços. Jovens estudantes deveriam exigir que professores incompetentes e pesquisadores não produtivos sejam demitidos das instituições federais de ensino superior.

Conheço muitos jovens talentosos e inteligentes que simplesmente abandonam os cursos superiores nos quais ingressaram após exaustiva batalha. Por quê? Isso é sinal de inteligência de nosso sistema de ensino superior?

A força antagônica contra a nação não é a falta de dinheiro para a educação. O verdadeiro inimigo, oculto diante do olhar da imensa maioria que apenas assiste à saga brasileira com superficial atenção, é a estrutura de todo o nosso sistema educacional. 

Se você é um jovem estudante de uma instituição federal de ensino superior, converse com seus amigos. Procure organizar um movimento sério contra este sistema perverso hoje dominante por pura inércia. Diga não à comodidade. Educação não se faz com estabilidade ou garantia de emprego a alguém que foi aprovado em um único concurso público. Não faz diferença se uns poucos alunos tentarem se render ao sistema. Impeçam as aulas! Cantem durante a aula! Gritem! Criem uma manifestação real, agressiva mas não violenta. Não aceitem aulas de docentes que se acomodaram com a estabilidade. É a única forma de mudar para um sistema internacionalmente competitivo. É a única forma de nos livrarmos da noção de um professor sem rosto, que se esconde nas trevas da ignorância e da comodidade. Isso porque um professor perde identidade quando exige melhores salários para toda a categoria, independente de mérito pessoal.

Coloco-me à disposição para colaborar pessoalmente com grupos organizados de estudantes que queiram efetivamente mudar o país para melhor. Ainda há uma tênue esperança de que talvez exista cérebro e sangue nas veias dos jovens brasileiros.

Se os jovens não despertarem para a necessidade de uma massiva, agressiva e insistente paralisação em protesto contra o monstro que gerações anteriores criaram em nosso próprio meio, o destino é um só: FADE OUT.




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