Olavo de Carvalho
Matemática

Olavo de Carvalho


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Recebi hoje e-mail de um leitor deste blog perguntando por que citei Olavo de Carvalho em uma postagem recentemente veiculada. Essa pergunta foi motivada por questionamentos a respeito de certas afirmações deste jornalista comumente conhecido por alguns como um filósofo. 

Uma vez que Olavo de Carvalho consegue combinar discursos brilhantes com outros escandalosamente absurdos, creio que a indagação feita por este leitor merece ser respondida aqui. 

Citei uma entrevista com Olavo de Carvalho simplesmente porque ela continha uma discussão extremamente pertinente. E jamais deixarei de aproveitar boas ideias baseado em quem as defende. A correlação entre pessoas e ideias é assunto altamente não trivial.

No entanto, preciso também esclarecer alguns pontos sobre os quais devemos ser extremamente cuidadosos quando Olavo de Carvalho decide falar ou escrever. E ele fala e escreve muito!

Começarei com alguns exemplos. O primeiro se refere à mecânica newtoniana.

Neste texto publicado no Jornal do Brasil em 2006, Olavo de Carvalho contesta a Primeira Lei de Newton, afirmando que: 

"se o movimento é eterno, não faz sentido falar em 'estado presente' a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há 'estados' - seja de repouso ou de movimento. 'Estado' é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista."

Antes de discutir sobre o parágrafo acima, preciso esclarecer o seguinte. Promovo esta discussão principalmente por conta da grande influência que Olavo de Carvalho exerce sobre muitos jovens. Se fosse um autor qualquer, certamente eu não daria atenção a este pobre texto. 

Pois bem. O que Carvalho faz acima é uma pretensa exegese sobre um tratado (Principia), o qual estimulou a concepção de inúmeras formulações não equivalentes entre si para a mecânica clássica (como as de Arnol'd, McKinsey-Sugar-Suppes, Noll, entre muitas outras). E o grande problema de exegeses (perturbadoramente comuns entre "filósofos" brasileiros) é que elas comumente refletem meras percepções pessoais daqueles que as escrevem, revelando apenas suas próprias limitações intelectuais. Existem sim muitas críticas extremamente pertinentes à obra de Newton. E Carvalho demonstra clara ignorância ao citar Goethe como um dos três principais críticos da mecânica newtoniana, enquanto sequer menciona Mach. 

Em sua pobre e distorcida exegese, Carvalho afirma categoricamente que não há estados. Ou seja, ele impõe uma percepção própria, desqualificada e única sobre o que entende por estado em mecânica. A obra Principia, de Isaac Newton, é um marco que deu origem a inúmeras formulações para o que hoje se entende por mecânica newtoniana. Em cada uma delas há uma visão própria sobre o que se entende por estado de um sistema físico. Essa multiplicidade de visões sobre as ideias originais de Newton decorre justamente por conta do pioneirismo deste grande físico britânico. Obras pioneiras são frequentemente escritas de forma a admitir múltiplas interpretações, mesmo na área de ciências exatas. Georg Cantor que o diga! Criou uma teoria de conjuntos (hoje chamada de ingênua) que deu origem a inúmeras formulações extraordinariamente qualificadas, porém não equivalentes entre si (como ZF, NBG, T e T*, entre muitas outras). Além disso, até hoje não está suficientemente claro se o texto original de Newton faz uso ou não do cálculo diferencial e integral criado por ele mesmo. Portanto, qualquer avaliação responsável sobre o livro Principia demanda uma análise muito mais profunda do que aquela promovida em um texto de uma página, desprovido de referências e que se limita a uma visão única e vaga. Carvalho afirma, por exemplo, que no movimento eterno tudo é fluxo e impermanência. Além de não qualificar seu texto (usando a expressão "tudo" que, sob exegese minha, pode contemplar até mesmo unicórnios e lobisomens), ainda impõe uma alegada impermanência que jamais é justificada. Afinal, existe pelo menos um fator em comum entre todas as formulações hoje existentes para a mecânica newtoniana, a saber, os princípios de invariância. Tais princípios de invariância, matematicamente descritos via teoria de grupos, espelham justamente as leis físicas, as quais são invariantes (ou seja, permanecem as mesmas) sob transformações de coordenadas de um observador para outro, dadas certas condições especificadas em cada formulação. 

Carvalho ainda acusa Isaac Newton de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana. Bem, do ponto de vista da prática usual do físico, foi exatamente o oposto que ocorreu. Isso porque, como bom físico que era, Newton estava fortemente comprometido com a testabilidade de suas ideias. E tais testes parecem refletir modos de percepção humana. Já do ponto filosófico, Newton mesmo percebia que suas ideias apenas salvavam as aparências daquilo que experimentos pareciam demonstrar. Isso porque a ideia de uma ação-a-distância (na gravitação newtoniana, por exemplo) conta com um caráter metafísico bem conhecido na literatura. Críticos como Helmholtz e Hertz chegavam a se referir a este caráter metafísico como antropomórfico, remetendo a uma exagerada preocupação de Newton com os modos de percepção humanos. Já de um ponto de vista filosófico bem mais profundo, as relações entre modelos matemáticos e experimentos realizados em laboratório são até hoje um mistério. Ninguém sabe ao certo por que a matemática consegue salvar as aparências percebidas em processos de medição realizadas por físicos experimentais. Ou seja, falta a Carvalho a percepção da dúvida e da pluralidade de ideias, quando o assunto é mecânica newtoniana. 

Há muitos outros trechos no artigo em questão que são igualmente assustadores. Mas prefiro agora caminhar para o segundo exemplo: teoria da relatividade de Einstein.

Nesta palestra, Olavo de Carvalho afirma que a teoria da relatividade de Einstein foi criada para salvar as aparências do heliocentrismo. Ele chega a dizer que Einstein julgou que "era preferível modificar a física inteira só para não admitir que não havia provas do heliocentrismo". Para sustentar seu argumento, ele usa como referência a famosa experiência feita por Michelson e Morley, que indica que a velocidade da luz no vácuo é independente do observador. Para uma visão intuitiva e extremamente didática deste experimento, recomendo ao leitor este link

Carvalho sugere ainda que a constância da velocidade da luz detectada por Michelson e Morley evidencia que a Terra é um referencial privilegiado, o que daria suporte ao modelo geocêntrico. 

Em primeiro lugar, a teoria da relatividade restrita de Einstein não se justifica a partir de um único experimento. Qualquer experiência (e são muitas!) realizada em aceleradores de partículas precisa levar em conta efeitos relativísticos de dilatação do tempo. Além disso, Einstein não modificou a física inteira (conforme afirma Carvalho) e jamais teve essa pretensão. Pelo contrário, há motivações filosóficas em seu trabalho que claramente sustentam o seu compromisso com o conhecimento então vigente de física teórica. O fato é que as leis da mecânica newtoniana são invariantes sob transformações de Galileu. Já as leis da eletrodinâmica clássica não são! As leis da eletrodinâmica clássica de Maxwell são invariantes sob transformações de Poincaré (inconsistentes com Galileu). O que Einstein fez foi um processo de unificação entre mecânica e eletrodinâmica, criando a teoria da relatividade restrita, cujas leis são invariantes sob transformações de Poincaré e que, sob regime de baixas velocidades, apresenta uma equivalência (em escalas experimentais, sob margens de erro toleráveis) a certos aspectos da mecânica newtoniana. Ou seja, Einstein manteve a eletrodinâmica clássica intocável. Olavo de Carvalho deveria saber que a física não se resume à mecânica.

Na mesma palestra Carvalho admite não entender a noção de curvatura do espaço-tempo (presente na teoria da relatividade geral). No entanto, não hesita em criticar essa ideia também. O fato de ele não compreender uma ideia, parece ser justificativa suficiente para rejeitá-la. Isso por si só revela uma perigosíssima presunção. 

Apesar de Carvalho não mencionar explicitamente sobre a teoria da relatividade geral, discursa sobre curvatura do espaço-tempo, negando-a. Isso também revela uma grave desordem mental. 

Não sei se Olavo de Carvalho usa o sistema GPS, para chegar de um ponto A a um ponto B. Mas se o fizer, estará caindo em uma armadilha criada por ele mesmo. Isso porque o sistema GPS aplica tanto a teoria da relatividade restrita quanto a geral para fazer correções de sincronia entre relógios na Terra e relógios em satélites artificiais que orbitam nosso planeta. Ou seja, maldizendo ou não Einstein, ele depende da obra deste físico alemão para saber onde está e para onde deseja ir.

Há muitas outras questões controversas sobre Carvalho, incluindo sua proposta de incluir a astrologia como um ramo da ciência. Mas discutir sobre astrologia como ciência já chega a um absurdo que temo desrespeitar o leitor. Por isso prefiro não discutir sobre este tema aqui.

Mesmo físicos extremamente experientes conseguem fazer afirmações absurdas sobre física. E Olavo de Carvalho demonstra claramente não ter a mais remota familiaridade com física a não ser, talvez, a partir de textos de divulgação científica destinados a leigos. No entanto, ainda assim insiste em opinar sobre temas da física moderna. Isso me faz questionar se há algum sentido em suas afirmações sobre outros temas, como história da religião e política. 

Portanto, o leitor deve ter muito cuidado com o que Carvalho afirma. Suas declarações nesta entrevista são incisivas, mas pertinentes. No entanto, são pertinentes sob o meu ponto de vista. Não sei dizer se eu compartilharia com as justificativas que ele teria para apresentar às suas declarações sobre a educação brasileira. 

É óbvio que o leitor deve aprender a filtrar qualquer informação que receba, seja de onde for. Isso não se aplica somente a Olavo de Carvalho, mas a qualquer pessoa. No entanto, Carvalho demonstra o persistente hábito de opinar sobre o que não demonstra conhecer. Ele faz isso quando discute sobre o aquecimento global, o darwinismo e a história da ciência. 

Como filtrar ideias? Bem, não há procedimento efetivo para isso. Mas pensar e discutir com uma variedade grande de pessoas compromissadas com o conhecimento já ajuda.
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Nota: Em virtude de grande volume de comentários nesta postagem, decidi complementar este texto. Para detalhes, clique aqui.




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