A filosofia iniciou-se com Tales de Mileto (c. 585 a.C.), o primeiro matemático a ter seu nome gravado na história. A filosofia moderna tem como seu marco inicial O Discurso do Método (1636), do grande matemático francês René Descartes. Ainda no século XVII brilhariam simultaneamente na filosofia e na matemática Pascal e Leibniz. No século passado talvez ninguém encarne melhor essa dualidade científica do que Bertrand Russell (1872 – 1970).
Russell nasceu em Trelleck, País de Gales, numa família em que a tradição liberal constituía uma vertente destacada. O avô, Lorde John Russell, que chegou a primeiro-ministro no reinado da rainha Vitória, notabilizou-se na política por suas ideias reformistas (por exemplo, em favor da instrução popular). Era tão admirado que em suas viagens pelo interior o povo enfileirava-se à beira das estradas por onde passava para aclamá-lo. Uma frase sua era citada repetidamente:
“Quando me perguntam se uma nação está amadurecida para a liberdade, respondo: acaso existe algum homem amadurecido para ser déspota?”
A mãe de Bertrand era uma conhecida líder feminista; o pai, Visconde de Amberley, pretendia educá-lo no agnosticismo. Mas ambos morreram antes de ele completar 4 anos de idade. Assim, B. Russell acabou sendo educado por preceptores e governantas, segundo as idéiasdo ramo conservador da família. Mas não adiantou. Segundo suas próprias palavras:
“Quanto à religião, passei a não acreditar primeiro no livre arbítrio, depois na imortalidade e finalmente em Deus”. E em matéria de moral, a vigente em seu tempo lhe parecia demasiado estreita e preconceituosa...
Aos 18 anos de idade B. Russel matriculou-se no Trinity College da Universidade de Cambridge, a fim de estudar matemática e filosofia. Nessa época a fundamentação rigorosa da matemática ainda não deixaria passar em branco. Em Meu Pensamento Filosófico escreveu:
“Aqueles que me ensinaram o cálculo infinitesimal não conheciam provas convincentes de seus teoremas fundamentais e tentaram fazer-me aceitar os sofismas oficiais como um ato de fé”.
Certamente foi essa preocupação com a fundamentação rigorosa da matemática que o impeliu, desde logo, para o campo da lógica. Esta, deste Boole (1815 – 1864), vinha se utilizando de métodos matemáticos, como o emprego de um simbolismo e de demonstrações de princípios lógicos a partir de axiomas. Gottlob Frege (1848 – 1925), o expoente máximo da lógica em seu tempo, defendia a tese de que a matemática é um ramo da lógica, tese à qual Russell aderiu decididamente. Isso mesmo tendo encontrado falhas na obra de Frege. De fato, em carta de 1902 Russell expunha a Frege uma antinomia que, segundo este, numa demonstração talvez exagerada de honestidade científica, derrubava os fundamentos de suas Leis Fundamentais, uma obra cujo segundo volume estava para ser lançado. É que essa obra usava o conceito de conjunto de todos os conjuntos que leva a contradições. Era preciso eliminar da teoria dos conjuntos conceitos como esse.
A meta de Russell, de reduzir a matemática à lógica, traduziu-se num programa ou filosofia matemática conhecida como logicismo. Esse programa foi grandemente desenvolvido na obra Principia Mathematica, em três volumes, publicados respectivamente em 1910, 1912 e 1913, de autoria de Russell e A. N. Whitehead (1861 – 1947). Mas por certos limites à matemática, apesar de produzir frutos muito positivos que a empreenderam e mostra vários pontos passíveis de críticas.
Nas primeiras linha de Meu Pensamento Filosófico, Russell registrou:
“Quanto aos fundamentos da matemática, não cheguei a parte alguma”.
A dedicação de Russell à matemática e à filosofia não o impediu de, até o fim de seus dias, engajar-se firmemente nas grandes questões sociais de seu tempo. Assim é que, em 1916, foi destituído de sua cátedra em Cambridge, considerado traidor da pátria e preso, por sua atitude pacifista em face da Primeira Guerra mundial. Algum ano antes do fim de sua vida não raro aparecia à frente de passeatas pela proscrição de armas nucleares e contra a Guerra do Vietnã.
Em 1940, quando era professor da Universidade da Califórnia, o Conselho do City College de Nova Iorque aprovou por unanimidade a indicação no nome de Russell para uma cadeira de seu departamento de Filosofia. Mas houve uma reação tá forte de alguns setores da Igreja que sua nomeação acabou sendo obstada na Justiça. A propósito declarou John Dewey:
“Como americanos não nos resta senão enrubescer diante dessa mancha em nossa reputação de agir com lisura”.
Isso não impediu, contudo, que continuasse a ensinar nos Estados Unidos: a Universidade de Harvard acolheu-o prazerosamente.
Em 1944 voltou à Inglaterra, onde o rei George VI conferiu-lhe a Ordem do Mérito. Em 1950 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. (Talvez não seja demais lembrar que essa láurea não é concedida à áreas de matemática e filosofia).
Texto de Hygino H. Domingues