Examinando uma tabela de números primos parece sugerir que estes tendem a se tornar cada vez mais raro à medida que se avança na sequência dos números naturais. Por exemplo: são 168 os números primos entre 1 e 1.000; 135 entre 1.000 e 2.000 e 127 entre 2.000 e 3.000. Essa observação é confirmada, de um certo modo, pelo seguinte teorema:
Teorema 1: Para todo n, não importa quão grande ele seja, há sempre uma sucessão a1, a2, ..., na de números naturais consecutivos em que nenhum termo é primo. Basta fazer:
Pois, obrigatoriamente, a1 é divisível por 2, a2 é divisível por 3, ..., na é divisível por n + 1.
Apesar desses fatos, sabe-se que há mais de dois milênios, através de uma demonstração de Euclides (séc. III a.C.) em seus Elementos, que o conjunto dos números primos ao longo da sucessão dos números naturais é uma das questões mais interessantes da matemática.
Gauss, entre 1792 e 1793 (portanto com cerca de 15 anos de idade), tabulou detalhadamente a distribuição dos primos em intervalos de 1.000 números, de 1 a 300.000, com pouquíssimos erros, considerando os parcos recursos computacionais de que dispunha. E chegou estatisticamente à conclusão que o número de primos menores que x, costumeiramente indicado por π(x), é aproximadamente igual a x / ln(x), tanto mais próximo quanto maior x. Por exemplo:
Ao passo que:
Mas Gauss, ao que parece, não demonstrou esse resultado e tampouco o publicou.
O primeiro matemático a publicar uma forma possível para a função π(x) foi Legendre em seu Ensaio sobre a Teoria dos Números, em dois volumes (1797 – 1798). Também do exame de um grande número de casos, Legendre conjecturou que π(x) se avizinha arbitrariamente de:
fazendo-se x crescer indefinidamente. Tudo indicava que valeria o seguinte teorema, conhecido como teorema dos números primos:
O quociente
“tende” a 1 à medida que x “cresce indefinidamente”.
E, de fato, em 1896 os matemáticos C. J. de La Vallée-Poussin (belga) e J. Hadamard (francês), em trabalhos independentes, mediante métodos analíticos, numa linha de abordagens da teoria dos números inaugurada por Riemann (1826 – 1866), conseguiram provar esse teorema. Aliás, essa nova linha (teoria analítica dos números) vinha se mostrando extremamente fértil, como provaram os trabalhos de P. G. Lejeune Dirichlet (1805 – 1859).
Embora alemão da cidade de Düren, Dirichlet optou por fazer seus estudos científicos em Paris (1822 – 25), na época o melhor centro de matemática do mundo. Mas foi provavelmente a leitura da obra de seu conterrâneo Gauss, Disquisitiones Arithmeticae, feita nesse período, o fato que mais influenciou sua carreira, pois, apesar de ter deixado contribuições em áreas diversas, é na teoria dos números que estão as mais significativas, tendo explorado com grande brilhantismo e originalidade o grande manancial que era a citada obra de Gauss.
Academicamente, Dirichlet iniciou sua carreira em Breslau, em 1827; no ano seguinte transferiu-se para a Universidade de Berlim; finalmente, em 1855, sucede a Gauss em Göttingen.
Ao tempo de Dirichlet não era segredo que algumas progressões aritméticas, como:
por exemplo, contêm infinitos números primos. Valeria também esse resultado para toda P. A. :
em que a e b são naturais primos entre si? Mediante instrumentos matemáticos sofisticados, pois se trata de uma questão extremamente difícil, embora não pareça, Dirichlet provou que sim. Esse teorema, com sua aparente ingenuidade, é daqueles que marcam a obra de um matemático.
Texto de : Hygino H. Domingues