Motivando Crianças a Estudar
Matemática

Motivando Crianças a Estudar


Esta postagem foi anunciada anteriormente com o título provisório "Mecânica Quântica para Crianças". Achei recomendável mudar o título, apesar da motivação ainda ser a mesma.


A palestra mais marcante em minha carreira foi para uma turma de quarta série do primário de uma pequena escola particular de Curitiba. A professora daquela turma queria que eu falasse com seus alunos sobre água. É claro que fiz uma breve apresentação sobre o tema pedido. Mas logo em seguida aproveitei a oportunidade para provocar aquelas criaturas ainda pouco contaminadas pelo desestimulante sistema educacional de nosso país.


O tema da água foi usado como gancho para falar sobre ciência. Pedi às crianças que fizessem uma lista de três artistas brasileiros. Todos rapidamente citaram dezenas de nomes (apesar de demonstrarem conhecer apenas atores e atrizes de telenovelas). Em seguida pedi três nomes de atletas brasileiros. Também citaram, sem dificuldade, nomes amplamente divulgados pela mídia e que se destacam, principalmente, em futebol. Por último solicitei uma lista de três cientistas brasileiros. O silêncio foi absoluto. Mas o mais surpreendente foi a conclusão deles. Disseram-me que não sabiam nomes de cientistas brasileiros simplesmente porque eles não existem. Isso demonstra muito bem alguns dos pontos principais que apresentei na postagem sobre crime e educação. 


Expliquei àquelas crianças que existem, sim, cientistas brasileiros, sendo que muitos deles são conhecidos no mundo inteiro por trabalhos muito importantes. Mas não quis perder tempo com citações de nomes e obras que aqueles alunos imediatamente esqueceriam. Procurei, então, seguir o caminho da provocação. E eu adoro perturbar a acomodada paz intelectual de pessoas, principalmente crianças.


Falei para aquelas crianças que a estrutura molecular da água é estudada, em parte, em um ramo da ciência conhecida como física quântica. Uma vez que o ramo mais elementar da física quântica é a mecânica quântica não relativística, parecia sensato falar algo sobre essa fabulosa teoria que está próxima de completar cem anos de idade. 


Ninguém sabe ao certo o que é mecânica quântica (MQ). Não existe na literatura especializada qualquer formulação axiomática que seja amplamente aceita como uma definição precisa dessa área do conhecimento. Mas sabe-se que a MQ tem características notáveis que se opõem drasticamente à mecânica clássica e até mesmo aos nossos modos intuitivos de pensar sobre o mundo que nos cerca. 


Pensei com meus botões, sobre o que eu poderia discutir com aquelas crianças. Eu poderia falar sobre o papel de probabilidades em MQ, sobre o fenômeno de não-localidade, sobre a discretização de níveis de energia e de estados de sistemas de partículas, sobre as peculiares propriedades topológicas de spin, sobre o problema da não-individualidade etc. Mas tudo isso parece muito difícil de adaptar para uma linguagem acessível a crianças de nove anos. Então decidi discutir com elas sobre realismo.


Do ponto de vista da filosofia da física, um realista é aquele que considera que o mundo dos fenômenos mensuráveis independe do ato da observação. E a MQ colocou em desconfortante xeque a visão realista que tão bem se aplica à mecânica clássica. O teorema de Bell, por exemplo, e sua confirmação experimental devida a Alain Aspect, foi uma grande façanha intelectual que despertou discussões até hoje muito ativas sobre os aspectos não realistas da MQ. Ou seja, evidências muito convincentes apontam para a visão de que o ato da observação, de fato, afeta sistemas físicos quânticos. 


Lembrando disso e apontando para a mesa da professora, fiz a seguinte pergunta para a turma: "Se todo mundo sair desta sala e se ninguém estiver olhando para a mesa da professora, esta mesma mesa continua existindo?" 


A resposta imediata, animada e unânime foi "Claro!". 


Insisti: "Mas se ninguém estiver olhando para a mesa, como saber se ela continua existindo?" 


A resposta agora foi um novo silêncio. Meninos e meninas pareciam estar engajados em agoniados pensamentos (como se fossem os clássicos personagens felinos de T. S. Eliot). Aos poucos fui explicando para aquelas perturbadas criaturinhas que ninguém sabe ao certo se a mesa continua existindo ou não, se não houver pessoa alguma a observando. Falei para as crianças que algumas teorias dizem que a mesa ainda está lá; mas que outras dizem que não. E as teorias que dizem que a mesa não está necessariamente no mesmo lugar onde foi observada pela última vez, são as mesmas teorias físicas que ajudam a compreender a estrutura molecular da água. Os olhares daqueles alunos foram assombrosos. Ficaram simplesmente desnorteados.


O resultado mais animador dessa palestra veio dois ou três dias depois. Recebi uma carta de uma das meninas da turma. O nome dela é Sarah. Na carta, que ainda guardo, ela agradecia pela palestra e dizia que ainda estava pensando no problema da mesa da professora.


Bingo! Objetivo alcançado. Educação científica não se faz com amontoados de fatos ou teorias que visem estabelecer uma zona de conforto intelectual. Educação científica se faz com o estímulo à busca pelo conhecimento. E a busca ao conhecimento somente pode ser promovida onde houver perguntas relevantes não respondidas.




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