O Princípio de Cavalieri
Matemática

O Princípio de Cavalieri


Bonaventura Cavalieri nasceu em Milão em $1.598$. Foi aluno de Galileu e atuou como professor da Universidade de Bolonha de $1.629$ até $1.647$, ano de sua morte.

A grande contribuição de Cavalieri à Matemática é o tratado Geometria indivisibilibus de $1.635$. Neste tratado é apresentado o seu método dos indivisíveis, cuja motivação direta se encontre nas tentativas de Kepler de achar certas áreas e certos volumes.

No entanto, é um pouco difícil de descobrir o que ele entendia por "indivisível". Tudo indica que um indivisível de uma porção plana dada é uma corda dessa porção e o indivisível de um sólido é uma secção desse sólido. Considera-se que uma porção plana seja formada por infinitas cordas paralelas. Então, argumentava Cavalieri, fazendo deslizar cada um dos elementos do conjunto das cordas paralelas de uma porção plana dada ao longo de seu próprio eixo, de modo que as extremidades das cordas ainda descrevam um contorno contínuo, a área da nova porção plana é igual à original, uma vez que ambas são formadas pelas mesmas cordas.

Um procedimento análogo pode ser aplicado a um sólido, formado por secções planas e paralelas. Que fornecerá um novo sólido com mesmo volume. Uma ilustração deste resultado pode ser demonstrada utilizando duas pilhas de moedas de mesmo formato: a primeira pilha fazendo um cilindro reto e a segunda com suas laterais deformadas:

[Figura 1: sólidos com moedas]

Obviamente que os volumes serão os mesmos, independentemente da geometria obtida pela deformação na segunda pilha de moedas, uma vez que são utilizadas moedas do mesmo formato e quantidades iguais para cada pilha.

Esses resultados, ligeiramente generalizados, fornecem os chamados Princípios de Cavalieri, que podem ser enunciados como:

$1)$ Se duas porções planas são tais que toda reta secante a elas e paralela a uma reta dada determina nas porções segmentos de reta cuja razão é constante, então, a razão entre as áreas dessas porções é a mesma constante. E isso nos leva a dizer que as áreas das duas porções são iguais.

$2)$ Se dois sólidos são tais que todo plano secante a eles e paralelo a um plano dado determina nos sólidos secções cuja razão é constante, então a razão entre os volumes desses sólidos é a mesma constante. Em outras palavras: dois sólidos com a mesma altura têm o mesmo se seccionados por um plano paralelo ao plano onde estão assentados, geram áreas iguais.

Figura 2_800
[Figura 2: comparação de dois sólidos]

Para ilustrar o Princípio de Cavalieri, primeiramente vamos tomar o caso de porções planas, determinando a área compreendida por uma elipse de semi-eixos $a$ e $b$. Considere a elipse:
\begin{equation}
\frac{x^2}{a^2}+\frac{y^2}{b^2}=1 \:, \: \text{sendo}\: a>b
\end{equation}

E a circunferência:
\begin{equation}
x^2+y^2=a^2
\end{equation}
onde $a$ é o raio da circunferência.

Sendo as duas referidas ao mesmo sistema de coordenadas retangulares:
Figura 3_300
[Figura 3: circunferência e elipse]

Podemos reescrever a equação da elipse em função de $y$. Tomamos a equação $(1)$:
\begin{equation*}
\frac{x^2}{a^2}+\frac{y^2}{b^2}=1
\end{equation*}
Encontramos o $mmc$:
\begin{equation*}
\frac{x^2b^2+y^2a^2}{a^2b^2}=1
\end{equation*}
Desenvolvendo:
\begin{equation*}
x^2b^2+y^2a^2 = a^2b^2\\
y^2a^2 = a^2b^2 - x^2b^2\\
y^2 = \frac{b^2(a^2-x^2)}{a^2}
\end{equation*}
Chegando finalmente a:
\begin{equation}
y = \frac{b}{a} \cdot \sqrt{a^2 - x^2}
\end{equation}
Agora, reescrevemos a equação da circunferência em função de $y$:
\begin{equation*}
x^2+y^2=a^2\\
y^2=a^2-x^2
\end{equation*}
Encontrando:
\begin{equation}
y=\sqrt{a^2-x^2}
\end{equation}
Substituindo $(4)$ em $(3)$:
\begin{equation}
\sqrt{a^2-x^2}=\frac{b}{a} \cdot \sqrt{a^2-x^2}
\end{equation}

Vemos que a razão entre duas ordenadas correspondentes quaisquer da elipse e da circunferência é $b/a$. Pelo Princípio de Cavalieri concluímos que:
\begin{equation}
A_{\: \text{elipse}} = \frac{b}{a} \cdot A_{\: \text{círculo}}
\end{equation}
Hoje, fica fácil de verificar: sabemos que a área da elipse é dada por $A_{\: \text{elipse}}=\pi ab$ e a área do círculo é dada por $A_{\: \text{círculo}}=\pi a^2$. Substituindo na relação $(6)$, obtemos:
\begin{equation}
\pi ab = \frac{b}{a} \pi a^2
\end{equation}
Portanto, a razão entre duas cordas verticais correspondentes da elipse e da circunferência é $b/a$.

Agora, podemos demonstrar o Princípio de Cavalieri aplicado a sólidos para verificar o volume de uma esfera de raio$r$.

Considere na figura $4$ uma esfera de raio $r$ e uma anticlepsidra (sólido geométrico gerado a partir de um cilindro equilátero onde se subtrai dois cones opostos pelo vértice cujas bases coincidem com as bases do cilindro), assentados num mesmo plano$\alpha$. Seccionando ambos sólidos com um plano $\beta$ paralelo ao plano$\alpha$ a uma altura $h$ dos vértices dos cones:

Principio de Cavalieri_Short
[Figura $4$: Esfera e a anticlepsidra]

Esse plano $\beta$ secciona esfera gerando um círculo de raio s e a anticlepsidra gerando uma coroa circular.

Utilizando da geometria elementar, vamos mostrar que ambas as secções têm área igual a $\pi (r^2-h^2)$.

Da esfera, podemos destacar o triângulo retângulo abaixo e utilizar o Teorema de Pitágoras para escrever o raio $s$ em função de $r$ e $h$.

Figura 5_200

[Figura $5$: triângulo retângulo]

\begin{equation}
r^2=h^2+s^2 \Longrightarrow s^2=r^2-h^2
\end{equation}
A área da secção circular será dada por:
\begin{equation}
A=\pi s^2
\end{equation}

Substituindo $(8)$ em $(9)$, obtemos:
\begin{equation}
A=\pi(r^2-h^2)
\end{equation}

Agora falta mostrar que a área da coroa circular é igual à área da secção circular. Da anticlepsidra destacamos o triângulo retângulo:
Figura 6_00
[Figura $6$: triângulo retângulo]

Por semelhança de triângulos temos que:
\begin{equation}
\frac{r}{h}=\frac{r}{t}
\end{equation}
Segue que
\begin{equation}
t=h
\end{equation}
A área da coroa será dada pela diferença entre a área do círculo de raio $r$ e o círculo de raio $t$:
\begin{equation}
A_C=\pi r^2 - \pi t^2
\end{equation}
Substituindo $(12)$ em $(13)$, obtemos:
\begin{equation}
A_C=\pi (r^2-h^2)
\end{equation}
Provamos que as áreas das secções geradas pelo plano $\beta$ nos sólidos são iguais. Segue-se, então, que pelo Princípio de Cavalieri, que os dois sólidos têm volumes iguais. Logo o volume $V$ da esfera é igual ao volume $V$ da anticlepsidra:
\begin{equation}
V_{esfera} = V_{cilindro} - 2V_{cone} = A_b \cdot - 2\cdot \frac{A_b \cdot h}{3}
\end{equation}
Como no cilindro equilátero a altura $h$ é igual a $2r$, temos:
\begin{equation}
V_{esfera}=\pi r^2 \cdot 2r - \frac{2}{3}\cdot \pi r^2 \cdot r = 2\pi r^3- \frac{2}{3} \pi r^3 = \frac{4}{3} \pi r^3
\end{equation}
O que é feito no Princípio de Cavalieri é uma comparação entre dois sólidos. Mas, temos que escolher convenientemente esses sólidos para obtermos resultados satisfatórios. Vejam que, se compararmos dois prismas, se seccionarmos por um plano paralelo em qualquer altura dos sólidos as áreas geradas serão constantes:
Figura 2_800
[Figura $7$: Comparação entre dois prismas]

No caso de uma comparação entre duas pirâmides seccionadas por planos paralelos, notamos que quanto mais próximo do vértice os sólidos forem seccionados por um plano paralelo, menor será a área gerada. No entanto, esta variação na área será constante para as duas pirâmides. Podemos dizer que a área da secção será $kA_b$ onde $k$ é uma constante e $A_b$ é a área da base. Então a área de cada secção será variável para cada ponto da altura da pirâmide:
Pirâmides
[Figura $8$: Comparação entre duas pirâmides]

Mas, se tomarmos um prisma e uma pirâmide, o Princípio de Cavalieri falha, justamente porque no prisma a área gerada será a mesma independentemente de onde o plano seccioná-lo e já na pirâmide a área gerada será variável, o que torna o método inconsistente. Vejam que, se tomarmos o raio $r$ da base dos dois sólidos como iguais, no cilindro as áreas geradas pelos planos $\beta$ e $\gamma$ são iguais à da base. Já na pirâmide as áreas geradas pelos planos $\beta$ e $\gamma$ são diferentes, diminuindo ao se aproximar do vértice.
Prisma Pirâmide
[Figura $9$: comparação entre prisma e pirâmide]

Os Princípios de Cavalieri representam ferramentas poderosas para o cálculo de áreas, volumes e ademais, sua base intuitiva pode facilmente tornar-se vigorosa com o cálculo integral moderno. Com a aceitação desses princípios como evidentes, intuitivamente, podem-se resolver muitos problemas de mensuração que normalmente requeriam técnicas avançadas de cálculo.

Veja mais:

Demonstração da Fórmula do Volume de Pirâmide
Demonstração da Fórmula do Volume da Esfera
Volume de um Segmento Esférico
Volume de um Elipsóide pelo Princípio de Cavalieri no blog Fatos Matemáticos
 
Imprimir






- Fórmulas Para A área De Um Triângulo
Veremos neste post $4$ fórmulas para calcular a área de um triângulo. Todas elas dependem de pelo menos um dos lados do triângulo. Primeiramente, determinaremos a área do paralelogramo, que servirá como base para as demonstrações subsequentes....

- Resolução Da Integral $\displaystyle \int \text{sen}^2 (ax)dx$
Nesta postagem, vamos demonstrar que: \begin{equation*} \int \text{sen}^2(ax)dx = \frac{x}{2} - \frac{\text{sen}(2ax)}{4a} + C \end{equation*} onde $a \in \mathbb{R}$ e $a \neq 0$. Seja a integral: \begin{equation*} I = \int \text{sen}^2(ax)dx \end{equation*}...

- Triângulos De áreas Constantes Na Elipse
Leonhard Euler foi o matemático mais prolífico de todos os tempos, estudando vários problemas em várias áreas da Matemática. Em um pequeno artigo, ele discute algumas propriedades de triângulos inscritos em seções cônicas e neste post, veremos...

- Integral Indefinida Do Produto De Senos De Monômios De Coeficientes Angulares Diferentes
Neste artigo, veremos como encontrar uma fórmula para calcular a integral do produto de dois senos, cujos argumentos são monômios. Vamos demonstrar que: \begin{equation*} \int \text{sen}(ax) \cdot \text{sen}(bx)\ dx=\frac{\text{sen} [(a-b) x]}{2 (a-b)}...

- Integral De $1/(1+x^2)^2dx$
Considere a integral: $$\int \left ( \frac{1}{1+x^2} \right )^2$$ Para resolvê-la, utilizamos uma substiruição trigonométrica, fazendo: \begin{matrix} x&=&\tan(u)\\ dx&=&\sec^2(u)du\\ \end{matrix} Assim temos: \begin{equation} \int...



Matemática








.