Matemática
O Retorno de Estudante Brilhante
No final de 2011 publiquei neste blog a primeira postagem sobre o Estudante Brilhante, uma personagem fictícia que serve para ilustrar a constrangedora situação na qual o discípulo é mais inteligente e melhor informado do que o mestre.
Na primeira parte da história, Brilhante perigosamente se destacava por conta de questionamentos sobre os limites da cognição humana. Mas, desta vez, ele aprendeu que deve descer um degrau intelectual se quiser conviver civilizadamente entre os seus pares. E agora apela a situações já antecipadas por outros.
...
Durante aula professor Mula afirma que observações empíricas sob rigoroso controle laboratorial permitem inferir verdades científicas. E cita como exemplo a órbita da Lua ao redor do planeta Terra. Segundo Mula, esta é uma prova científica incontestável de que a Lua está em queda livre, sob a ação da força de gravidade que nosso planeta exerce sobre aquele satélite natural. Brilhante não se contém e novamente contesta:
- Quando o senhor fala de força de gravidade, está se referindo a qual tipo de força? Força newtoniana? Qual força newtoniana? Aquela que é discutida nos Principia de Isaac Newton, sem o emprego de cálculo diferencial e integral? Ou o senhor fala da força newtoniana discutida por Vladimir Arnol'd sob o ponto de vista de espaços de fase e grupos de Lie? Além disso, a concepção de força não é exclusiva de visões newtonianas! Há as forças de Hoyle e Narlikar, assim como as forças da mecânica relacional. E nem toda teoria gravitacional emprega o conceito de força. A relatividade geral de Einstein é um exemplo bem conhecido de teoria de gravitação sem força. Isso sem falar na mecânica de Hertz, que permite tratar de gravitação sem menção a força ou qualquer processo de geometrização. Mas a parte realmente intrigante da suposta verdade científica de que a Lua está em queda livre é que esta queda ocorre para cima.
Professor Mula se irrita com a aparente verborragia de Brilhante e questiona: "Como assim, queda para cima?"
Brilhante responde:
- Mesmo que nos limitemos a tratar de gravitação newtoniana nos moldes intuitivos do que hoje se entende sobre esta teoria, o fato é que o sistema Terra-Lua pode ser matematicamente tratado como um sistema de três corpos: Terra, Lua e marés oceânicas e terrestres que circulam pelo nosso planeta por ação gravitacional da Lua. E essas mesmas marés são responsáveis por perdas de energia total do sistema, obrigando a rotação da Terra ao redor de seu próprio eixo a diminuir ao longo de milhões de anos. Se considerarmos o sistema Terra-Lua-marés como isolado, por conta de conservação de momento angular do sistema é possível concluir que a Lua se afasta da Terra, algo que também encontra verificação experimental. Portanto, a Lua cai para cima, relativamente ao nosso planeta.
Professor Mula respira fundo e então responde: "Eu estava me referindo à gravitação newtoniana. Mas eu gosto da maneira como você pensa".
Estudante Brilhante, desta vez melhor humorado, reage:
- Professor, eu tenho uma pergunta a fazer.
Mula não sabe se deve se sentir aliviado ou preocupado: "Qual é a pergunta?"
- Três moças tomam sorvete. Uma delas lambe o sorvete, a outra morde o sorvete e a terceira chupa o sorvete. Qual delas é casada?
Desconcertado (e desconsertado!), Mula responde: "Não sei. Eu acho que a casada é aquela que chupa o sorvete."
- Não, professor. A casada é aquela que usa aliança na mão esquerda. Mas eu gosto da maneira como o senhor pensa.
Os alunos da turma riem da resposta de Brilhante e Mula tenta manter a postura de líder intelectual. E então sentencia: "Tudo bem. A brincadeira acabou. Agora, quem responder à próxima pergunta poderá ir para casa."
Brilhante rapidamente joga sua mochila pela janela, fazendo-a cair ao chão, do lado de fora da sala. Mula questiona, irritado: "Quem jogou essa mochila para fora?"
Brilhante responde:
- Fui eu, professor. Estou indo pra casa.
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