Querem ver uma foto?
Matemática

Querem ver uma foto?



 
Intimei estudantes de instituições federais de ensino superior. Novos textos não seriam veiculados neste blog se eu não recebesse fotos de cartazes que denunciam a retrógrada estabilidade dos professores da rede pública federal. Um único jovem enviou duas imagens. Disponibilizo abaixo uma delas.
Mural na UFPR

Anos atrás o Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná (DMAT/UFPR) decidiu que a Sociedade Paranaense de Matemática (SPM) deveria ser reativada. Afinal, além de ser a única sociedade estadual de matemática do país, ela é mais antiga do que a própria Sociedade Brasileira de Matemática. Fui eleito o presidente da comissão responsável pela reativação desta importante organização cultural e científica. Porém, no momento em que os demais membros da comissão perceberam que deveriam efetivamente trabalhar neste processo, simplesmente cruzaram os braços. No verbo todos apoiam o óbvio. Na prática, nada acontece.

Meses depois recebi telefonema de um professor da Universidade Estadual de Maringá. Ele e demais colegas estavam cientes da situação da SPM e queriam colaborar. Após negociações feitas com cautela (informando inclusive o DMAT/UFPR), a SPM teve sede e foro transferidos para Maringá. Uma notável equipe de docentes da UEM assumiu as rédeas da SPM. 

Um professor do DMAT/UFPR me fez ameaças, logo após a tal da transferência. Isso porque a UFPR estava perdendo a permuta com cerca de cem periódicos internacionais de matemática que o Boletim da SPM sustentava. Tais periódicos passaram a ser recebidos em Maringá. Capital perde, interior ganha. Matemática ganha, braços cruzados perdem.

A foto acima, tirada pelo próprio aluno que colocou este e mais quatro outros cartazes nas dependências da UFPR, é um retrato de compromisso sério com educação. Analogamente, a iniciativa do Departamento de Matemática da UEM na virada do milênio foi um claro retrato de compromisso sério com ciência e educação. 

No entanto, o maior retrato de que dispomos neste país é o do vácuo. A vasta maioria aceita a miséria que tem. Uns poucos reclamam. Menos ainda fazem. E os poucos que fazem simplesmente não conseguem articular movimento político forte o suficiente para mudar a realidade de um dos piores sistemas educacionais do planeta. 

O texto que segue abaixo é uma contribuição da mais alta importância. É um retrato parcial de experiências pessoais de uma professora que trabalhou grande parte de sua vida em instituições privadas de ensino, incluindo a PUC-PR. 

Arlene Lopes Sant'Anna é a autora do texto. Ela é minha irmã. Eu a convidei para contribuir com uma postagem no momento certo. De início, confesso que eu estava receoso de pedir qualquer material para ela. Isso porque Arlene é muito mais agressiva do que eu. Mesmo assim percebi que o que mais precisamos neste país é de agressividade. Somente com agressividade teremos chances de despertar os zumbis que se autodenominam de brasileiros. O sistema atual está tão corrompido pela inércia, que faz-se necessário um tratamento de choque para despertá-lo, para somente então tentarmos buscar um ponto de equilíbrio. 

Ainda assim, é possível perceber claramente que Arlene foi cuidadosa em suas palavras. Ela evitou a citação de nomes e instituições. Isso porque o problema da medíocre inércia não reside em apenas alguns brasileiros ou algumas instituições. O problema é da sociedade brasileira como um todo.

Tanto Arlene quanto eu temos acesso a informações detalhadas e documentadas sobre atos ilícitos e covardes cometidos por indivíduos e instituições. Mas tais denúncias específicas poderiam ser facilmente interpretadas como perseguições pessoais. E, deste modo, o foco se perderia. Eu, por exemplo, tenho testemunhos de fontes altamente confiáveis sobre o grave descontentamento de militares em relação ao Governo Federal. E quando digo que o descontentamento é grave, garanto que não estou exagerando de forma alguma. Não é mera coincidência o fato de que ITA e IME não aderiram ao programa de cotas raciais e sociais. Não é mera coincidência que ITA e IME não se submetam ao bestial ENEM. 

Mas, se os estudantes que leem este blog não conseguem se identificar com o pouco que é aqui discutido, a ponto de tomar atitudes reais, praticamente nada nos resta a fazer. 

Desejo a todos os brasileiros boa sorte. Certamente precisarão disso.
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AFINAL A EDUCAÇÃO AGONIZA HISTERICAMENTE?
Arlene Lopes Sant'Anna

Obviamente, vou traçar de maneira superficial minhas impressões gerais sobre o que tenho observado a respeito da educação. Tenho tantas impressões que poderia escrever muito mais do que pode ser lido aqui. 

Na  quinta ginasial esperávamos o professor entrar em sala de aula em pé e só sentávamos quando o mesmo permitia. Respeito ao professor era algo natural e incontestável. Entre todas as disciplinas, tínhamos o inglês e o francês. Um ano de francês, foi só isto que tive, mas foi este ensino que me deu a aprovação na prova de proficiência na USP em 1999. Ler Alexandre Dumas, Shakespeare, Victor Hugo e outros, era recorrente na escola pública. Esta era a educação no ano de 1969. 

Tenho mais de 25 anos de ensino, passei por todos os níveis: fundamental, médio e, por fim, o ensino superior. Em curso superior passei por mais de sete instituições, entre públicas e particulares. Vi surgirem os ?modelitos? da ?moderna? e ?incrível? pedagogia que estabeleceram o CERTO no ensino. O NÃO, os LIMITES e a CANETA VERMELHA na correção são perversões e abominações na educação. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) aprova uma liberação de costumes e valores que se invertem perigosamente. Os pais podem erguer o dedo em riste para o professor que se atrever a ?magoar? seus pimpolhos e, diga-se de passagem, que isto acontece até no ensino superior, onde pais vão ?conversar? com os professores sobre seus rebentos que nunca fazem nada de mal, são bons filhos, bons meninos e os professores só podem estar perseguindo-os. Se for em instituições particulares, aí o caso é hilário, pois os pais, quando não ?compreendidos? na intenção de que a nota é injusta, vão em busca do coordenador, diretor, decano, ou seja lá qual autoridade, para fazer valer seus direitos de pais e pagadores de mensalidades na injustiça de o professor  ter atribuído nota baixa à encantadora criaturinha.

No caso de greves, aí é festa, dias de praias, lazer e diversão, exceto quando estes seres se dão conta de que o semestre pode se estender para reposição de aulas. Na mobilização por ensino de qualidade (não querendo ser muito amarga) certamente sabe-se que, em uma instituição com milhares de alunos, algumas pouquíssimas centenas comparecerão. Mas se fizer uma enquete e perguntar por que estão ali, pode-se contar o mínimo de pessoas que realmente sabem por que estão se mobilizando. Uns dirão que é por causa da greve; outros, por causa dos amigos; outros, para fazer ?volume?; outros; por que não tinham nada para fazer e, por que não fazer uma ?agitaçãozinha??; outros, para apoiar algum ?querido? professor que se posicionou a respeito. Todavia, uns pouquíssimos têm consciência de que algo precisa ser feito em prol da educação. 

Pessimismo? Não! Certeza! Isto lembra o caso da USP, quando uns alunos foram reprimidos por usarem maconha no campus. Aí sim foi lindo de ver a Reitoria invadida, móveis destruídos e palavras de ordem para a violência prevaleciam. Houve quem apoiasse o ?agito?. Afinal, o que tem de mais usar uma maconha em uma instituição que se restringe à educação? 

Se houver algum evento acadêmico (com palestras, oficinas etc) que valha a máxima ?a razão tupiniquim gosta de espelhinho?, ou seja, valerá nota? Conta como horas complementares? Tem certificado? Pois o papel pode provar o conhecimento e ?engordar currículo mesmo que durante as palestras a criatura esteja focada no facebook, ou até, fica sentadinho por um momento para marcar presença e, depois, sorrateiramente, vai para casa ou para o barzinho, afinal ensino superior sem cerveja ou até uma maconhinha não é válido.

Estar em sala de aula de corpo presente é normal se o professor fizer chamada. Mas se não fizer, nem corpo presente! Afinal, se houver algum conteúdo que caia na prova, ele pode pegar com algum coleguinha ?nerd? que não perde uma aula. E, por falar em sala de aula, como são na sala? Celulares ligados e prontos para serem atendidos. O laptop só tem valia se for wireless, afinal é imprescindível acompanhar as redes sociais, as atualizações de mídias, as eleições ?da hora?, os capítulos da telenovela, os ?inteligentes? conselhos de auto-ajuda, as postagens românticas, as crises existenciais que precisam ser colocadas a público, o cachorrinho da vizinha que desaparece e precisa ser encontrado. Para isso, precisam compartilhar mesmo nem conhecendo a vizinha e seu cãozinho. O que importa é se fazer presente e ativo, caso contrário não pertencem ao fluxo das pessoas normais. Ah, sem esquecer que o Google está ?na mão? para quem sabe acessar o assunto que o professor está abordando e fazer alguma pergunta ?inteligente para fazer bonito? e mostrar interesse no assunto. 

Entrar e sair de sala de aula enquanto o professor ministra sua aula expositiva é normal, afinal é uma ?aula tão chata?, pois o professor fica falando sobre autores que nunca se leu nada ou se ouviu falar, provavelmente este professor cita ?estes caras? para mostrar o quanto sabe ou ser visto como ?superior?. E, ai do professor que provocar o aluno com alguma pergunta e não responder de imediato! Com certeza este professor nem sabe do que está falando, afinal professor deve ter respostas, postulados, assertivas próprias e não provocar reflexão. Referenciar bibliografia é para bonito, pois ler livros ?grossos?, ?com letrinhas e sem figuras, fotografia?? Nem pensar! Leitura, no máximo dois ou três livros por semestre (para os ?nerds?) e, se for possível, encontrar o resumo ou filmes sobre os mesmos? Melhor ainda! Mas coitadinhos dos alunos, não? 

Vamos mudar o rumo e bater um pouquinho nos professores. Certa feita, fui ministrar curso de reciclagem em Faxinal para professores da rede pública de ensino fundamental e médio. Ao entrar no recinto, com aproximadamente 40 professores, perguntei se haviam lido autor A, autor B, autor C, autor Y pertinentes à área de Língua Portuguesa. Não haviam lido, eram autores contemporâneos. Tentei autores mais antigos. Responderam que haviam lido na universidade e lembravam alguma ?coisinha?. Aí pedi que produzissem um texto de, no mínimo, 40 linhas. Dei um tema atual e queria o texto em 45 minutos. Senti sobre mim, um olhar de pavor. Pediram-me que aceitasse o texto para o dia seguinte. Obviamente rejeitei a ideia. Não conseguiram fazer. 

Questionei como poderiam exigir de seus alunos exatamente o que os mesmos não conseguiam ou não tinham competência para? Como podem dizer que os alunos não leem se eles mesmos não o fazem? E o ensino de gramática? Como se faz para encontrar o objeto direto da frase? Pergunta ao verbo! Escrevi uma frase no quadro e perguntei ao verbo, ao que prontamente responderam. Imediatamente disse-lhes que eu estava perguntando ao verbo, não a eles. Deveríamos esperar o verbo responder ao que eles perceberam a imbecilização a que submetiam os alunos nesta prática inócua de ensino gramatical que se solidificou por décadas e décadas e ainda se mantém. Aprender as regras gramaticais os ensinou a escrever? Para que servem? Não fazem a menor ideia, só especulam. E, atrevo-me em outros campos, o ensino de matriz ou logaritmos no ensino médio, servem para quê? Os alunos sabem onde vão aplicar ou trata-se de um infindável ?decoreba? de fórmulas adequadíssimas para passar no vestibular e, quem sabe, com sorte do curso/área escolhido nunca mais verão. UFA! 

E as cotas? PROUNIS? Modelo copiado dos EUA só veio dar outro golpe na educação brasileira que agoniza. Interessante mencionar sobre uma experiência científica. Os estudantes cortavam o casulo de uma borboleta para lhe facilitar a saída. Nasceu uma borboleta frágil que, em pouquíssimo tempo, definhou e morreu. Conquista sem luta não tem sabor de vitória. Se somos o país mais miscigenado do mundo, com um pé na senzala e outro na oca, por que somente uma parte tem direito? Porque nasceu na tribo ou a cor está na cara? A educação agoniza histericamente desde os níveis iniciais, fortemente, nas escolas públicas, onde a violência brada alto regozijando-se no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), onde os professores são agredidos física e verbalmente, onde escrever é uma tortura e o idioma pátrio é ?assassinado? com os ?mecher?, os ?voçês?, os ?opniões?, os ?aki?, os ?kero? e outras pérolas inventivas, onde alunos raramente são reprovados mesmo sendo analfabetos funcionais, escolas-oficinas de jovens sem senso crítico, sem valores, que acreditam que o diploma abrirá portas no mercado -  veja bem, o diploma, não o conhecimento! Mas não se pode esquecer que as escolas particulares não estão longe disso, afinal, aluno reprovado é aluno transferido para o concorrente e subtração de receita.

Estive na Europa no ano passado e, conversando com alguns jovens de ensino médio, soube que, além do idioma nativo (holandês) falavam fluentemente o inglês, o alemão e o francês. Perguntei-lhes se haviam feito algum curso fora da escola. Responderam que eles têm a prerrogativa de cursar na escola se assim o quiserem. Estudam estes idiomas por quatro anos somente no ensino médio e falam e escrevem fluentemente, assim como discutem Proust, Marx sem ?sofrimento?. Aqui no Brasil, a criança começa a ter contato com a língua inglesa a partir dos níveis iniciais até o ensino médio e, com tantos anos de ensino, sabem mal e muito mal o verbo To Be e, se por ventura, optarem por fazer Letras Português-Inglês, saem da faculdade sem saber falar ou escrever um parágrafo, se for preciso, em inglês, o que dirá seu próprio idioma. Marx? Somente em alguns cursos pontuais, mas sem muito sucesso em ter senso crítico ou uma discussão mais analógica. 

Abordar educação brasileira é assunto inesgotável, entretanto não é somente a escola ou o curso superior que deve assumir este fracasso. A estrutura familiar tem peso nesta conjuntura, os valores vigentes, as ideologias, a cultura, entre outros mais fatores.

Sou pessimista? Não, nem um pouco! A Europa está em crise, os jovens europeus estão chegando, eles vêm com conhecimento, diploma e formação superior aos jovens brasileiros. E os brasileiros só tem diploma. Como vai ser? Parece-me que a história vai se repetir: em 1500 os europeus chegaram...
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Para acessar outra contribuição de Arlene Sant'Anna (desta vez sobre a história de João e Maria sob a perspectiva do Código Penal Brasileiro) clique aqui.




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