O ato de contar com pedrinhas remonta às origens dos processos aritméticos. Daí para a invenção do ábaco foi uma evolução natural, embora, com certeza, bastante lenta. Esse primeiro instrumento mecânico de computação teve uma importância muito grande e duradoura: ainda no século XIV, não raro os textos de aritmética traziam instruções para calcular tanto com algarismos indo-arábicos como com o ábaco.
O século XVII, na esteira da revolução científica que o caracterizou, deu contribuições notáveis também ao campo da computação. John Napier (1550 – 1617), o criador dos logaritmos, num trabalho de 1617 intitulado Rabdologia, descreveu o primeiro instrumento de cálculo a ser inventado após o ábaco: as chamadas Barras de Napier, um dispositivo mecânico que reduzia o trabalho de multiplicar à realização de adições. O sucesso dessas barras foi tanto que de início elas trouxeram mais notoriedade a seu inventor que os próprios logaritmos. Pouco depois, em 1622, surgiu a primeira versão das réguas de cálculo, uma invenção do matemático inglês William Oughtred (1579 – 1660), desenvolvendo uma idéia de seu conterrâneo Edmund Gunter (1581 – 1626).
E mesmo o protótipo mais legítimo das atuais máquinas de calcular é fruto do século XVII. Trata-se da Pascaline, planejada pelo matemático e pensador francês Blaise Pascal (1623 – 1662), quando tinha 18 anos de idade, para aliviar seu pai, um coletor de impostos, dos exaustivos cálculos a que sua função o obrigava diariamente. Basicamente a Pascaline era um engenho mecânico capaz de somar e subtrair. Pascal chegou a construir cerca de 50 dessas máquinas, mas esse número não corresponde ao sucesso comercial esperado por ele.
Na segunda metade do século XVII, o matemático e filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646 – 1716), preocupado com as horas de trabalho gastas por matemáticos e astrônomos em cálculos árduos e demorados, o que considerava indigno do saber desses homens, visto que qualquer pessoa poderia realizá-los caso se usassem máquinas, ideou uma máquina de calcular capaz de realizar as quatro operações básicas. Pronta em 1694, seu componente aditivo era essencialmente idêntico ao da máquina de Pascal, mas, mediante um carro móvel e uma manivela, conseguia acelerar as adições repetidas envolvidas nos processos de multiplicação e divisão. As calculadoras mecânicas de mesa, ainda em uso, cujos primeiros modelos remontam ao início do século passado, derivam da máquina de Leibniz.
É interessante registrar que entre as realizações matemáticas de Leibniz figura a primeira descrição do sistema de numeração binário (1703). A inspiração para esse trabalho veio-lhe em parte da leitura de um antigo texto chinês que procurava explicar a complexidade do universo em termos de uma série de dualidades – por exemplo, luz e trevas, macho e fêmea, bem e mal. Será que Leibniz, não obstante seu pioneirismo na busca de uma linguagem universal para as ciências, podia imaginar que a idéia subjacente ao sistema binário seria uma das molas propulsoras da computação do século XX, pela facilidade relativamente bem maior de se representarem 2 símbolos nos circuitos do computador em vez de 10?
A primeira proposta de uma máquina de calcular automática só ocorreria no século XIX. Seu autor, o inglês Charles Babbage (1792 – 1871), ocupa uma posição singular na história da computação. Filho de um banqueiro, do qual posteriormente herdou fortuna considerável, Babbage foi educado por professores particulares, devido à sua saúde frágil, até iniciar seus estudos superiores no Trinity College, Cambridge, em 1810. Mas, acreditando que iria ser apenas o terceiro de sua turma, transferiu-se no terceiro ano para Peterhouse, onde, efetivamente, veio a se graduar em primeiro lugar. Não fosse a inquietação que o dominava, provocada especialmente pelas máquinas matemáticas com que sonhava, a vida de Babbage teria transcorrido provavelmente sem contratempos significativos. Mas ao fim de seus dias ele, que fora um otimista em sua juventude, tornou-se um homem amargo devido às frustrações decorrentes de sua luta contra tarefas muitas vezes acima das possibilidades de sua época.
Em 1822, num artigo científico, Babbage expôs pela primeira vez a idéia de sua “máquina diferencial”, um engenho que seria capaz de calcular e imprimir extensas tábuas matemáticas. Em 1839, tendo obtido uma subvenção do governo britânico de 17.000 libras, renunciou a uma cadeira de matemática que regia em Cambridge e pôs-se a trabalhar na construção de um modelo em tamanho grande. Em três anos esgotou todos seus recursos colocados à sua disposição e gastou ainda cerca de 6.000 libras de seu bolso, sem concretizar o projeto, por fim abandonado. Que este era viável prova-o o fato de que dois suecos, George e Edward Scheutz, inspirados num artigo de Babbage, conseguiram construir uma máquina diferencial de menor porte, mas muito eficiente, completada em 1853.
Dentre os subprodutos desse período, o mais importante sem dúvida foi a idéia da “máquina analítica”, de concepção mais simples, porém mais potente e mais rápida. Obedecendo às instruções fornecidas pelo operador através de cartões perfurados, teria condições de executar um espectro amplo de tarefas de cálculo. Embora sem subvenções, apesar de sua pertinaz insistência junto aos órgãos públicos, Babbage trabalhou vários anos nessa nova idéia, mas também não conseguiu concretizá-la. Em 1906, seu filho H. P. Babbage, depois de completar parcialmente a máquina, obteve por meio dela a expressão do número π com 29 algarismos – um feito modesto, mas que revelava uma centelha a ser avivada.
Somente no século passado, em 1944, ficaria pronto o primeiro computador programável – o Harvard Mark I Calculator – inspirado na máquina de Babbage. Com cerca de 15m de comprimento e 2,5m de altura, o Mark I continha nada menos que 750.000 componentes ligados por 80.400m de fio. Sua complexidade técnica justificavas palavras do Professor Howard H. Aiken, seu construtor, segundo as quais Babbage fracassara são devido ao seu projeto, mas “porque lhe faltavam máquinas operatrizes, circuitos elétricos e ligas metálicas” tão essenciais nos modernos computadores.
Se para alguns de seus contemporâneos a máquina analítica de Babbage pareceu uma loucura, hoje pode-se dizer que foi um grande sonho que se tornou a realidade tecnológica de maior alcance do mundo moderno.
Texto de Hygino H. Domingues