Matemática
O Retorno de Doutor Fantástico
Esta é a segunda postagem sobre reações humanas, prometida dias atrás. A primeira tratou da reação da comunidade educacional brasileira em relação ao reconhecimento nacional do trabalho da Professora Vilma Ana Damborowiski. Esta reação é comparável à da personagem principal do conto The System of Doctor Tarr and Professor Fether, do extraordinário Edgar Allan Poe: surpreendentemente nula. Portanto, a comunidade educacional de nosso país carece de caráter.
Já neste texto temos uma resposta muito diferente a estímulos. E tal resposta veio do Colegiado do Curso de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Outros atores estão envolvidos nesta curiosa trama, incluindo duas instâncias superiores da UFPR. Mas as reações desses órgãos têm natureza muito diferente.
Para localizar o leitor rapidamente, relembro que no primeiro semestre letivo de 2012 lecionei cálculo diferencial e integral para duas turmas do Curso de Física da UFPR. Sustentado na obscena realidade do pacto REUNI/UFPR, decidi aplicar como critério de aprovação a simples assinatura dos alunos em cada uma das provas realizadas.
Graças a uma simples conversa com um aluno, foi possível convencer o Colegiado do Curso de Física a se manifestar em relação aos meus novos critérios de avaliação. Recebi então um primário ofício do Coordenador, ao qual rapidamente respondi.
Em seguida o Coordenador, Professor Celso de Araújo Duarte, encaminhou novo ofício (144/2012) de quatro páginas para a Direção do Setor de Ciências Exatas.
O novo documento apresenta uma redação bem melhor, se compararmos com o ofício 143/2012 que recebi. Isso por si só já foi um grande avanço. No entanto, o conteúdo é surpreendente a extremos.
Todos os documentos citados integram o processo 23075.046301/2012-53 que corre na UFPR.
Não reproduzo o ofício 144/2012 neste blog, para evitar cansativas redundâncias. Afinal, tal documento é desnecessariamente extenso. No entanto, a partir de minha resposta é possível resgatar as três acusações feitas contra mim.
Vale observar, porém, que na presente postagem já há algumas informações redundantes. Isso se deve à natureza burocrática do problema e adianto minhas sinceras desculpas ao leitor.
Em função da tramitação do processo 23075.046301/2012-53, o Chefe do Departamento de Matemática gentilmente pediu para que eu redigisse uma carta a ser lida em plenária departamental. Fiz isso. Reproduzo abaixo minha carta, na qual respondo ao ofício 144/2012 da Coordenação do Curso de Física.
Ao final desta postagem faço um breve relato sobre os eventos seguintes.________
Curitiba, 10 de janeiro de 2013
Ao Professor Dr. Manuel Jesus Cruz BarredaChefe do Departamento de MatemáticaUniversidade Federal do Paraná
Sr. Chefe
Conforme solicitação verbal sua feita ontem, encaminho este documento para leitura em plenária departamental, com o propósito de prestar um breve histórico e esclarecimentos a respeito do Processo 23075.046301/2012-53.
HISTÓRICO
I) Durante o primeiro semestre letivo de 2012 lecionei para as turmas CM201-B e CM041-J do Curso de Física desta UFPR. Levando em consideração que:
1) A UFPR assinou o contrato REUNI com o Governo Federal, o qual estipula um aumento gradual de conclusão de curso para o índice de 90%;
2) O Setor de Ciências Exatas não se opôs ao REUNI, quando teve oportunidade;
3) Tenho considerável experiência no ensino de cálculo diferencial e integral e posso garantir (baseado em fatos) que, levando em conta o perfil dos alunos usualmente aceitos para o Curso de Física, não há meios lícitos para atingir o índice de aprovação de 90%;
4) Recuso-me a comprometer a qualidade de minhas aulas, apesar da exigência do contrato REUNI;
decidi adotar novos critérios de avaliação nas turmas acima citadas.
Estabeleci com os alunos dessas turmas que: (i) todos aqueles que assinassem as duas avaliações escritas, realizadas durante o semestre letivo, seriam automaticamente aprovados com média mínima 50, independentemente das notas conquistadas em cada avaliação e (ii) os alunos que conquistassem média aritmética simples superior a 50, teriam suas médias fielmente registradas em seus respectivos boletins.
II) Em novembro de 2012 recebi o ofício 143/2012 da Coordenação do Curso de Física, solicitando esclarecimentos sobre meus critérios de avaliação nas disciplinas CM201 e CM041. Imediatamente respondi o ofício, com cópia para a Chefia do Departamento de Matemática e para o Setor de Ciências Exatas. A essa altura o processo 23075.046301/2012-53 já estava aberto.
III) O processo em questão tramitou do Setor de Ciências Exatas para a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas. A alegação da Direção do Setor foi que qualquer averiguação dos fatos deve exigir isenção e distanciamento. Em seguida o processo retornou ao Setor, sob a alegação de que se trata de assunto com cunho pedagógico e, portanto, deve ser discutido em plenária departamental.
ESCLARECIMENTOS
Em um segundo ofício da Coordenação do Curso de Física (144/2012) para o Setor de Ciências Exatas, sou acusado de desobedecer o artigo 5.o da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como o Estatuto e o Regimento Geral da Universidade Federal do Paraná.
As duas primeiras acusações não procedem. Segundo o artigo 5.o da Constituição da República Federativa do Brasil, "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". O argumento da Coordenação do Curso de Física foi que "alguns [alunos] foram submetidos a processos avaliativos enquanto outros não". Tal argumento é lamentavelmente primário, uma vez que não posso obrigar todos os alunos a realizar avaliações. É uma situação muito comum esta, no Setor de Ciências Exatas. Alguns alunos se submetem a avaliações e outros simplesmente não comparecem para realizá-las. As mesmas oportunidades foram dadas a todos os alunos, sem discriminação alguma, incluindo o direito a segunda chamada. Portanto, jamais desobedeci a Constituição de nosso país.
A segunda acusação se refere à minha desobediência ao Artigo 2.o, Inciso I, do Estatuto da UFPR, segundo o qual a destinação da universidade é "promover a educação, o ensino e o desenvolvimento tecnológico e a cultura filosófica, científica, literária e artística". Sempre cumpri esta missão em minhas aulas. Se houver quaisquer dúvidas sobre esta questão, fortemente recomendo que o Coordenador do Curso de Física converse com todos os meus alunos, os quais ainda não se manifestaram oficialmente no processo em questão. Também convido qualquer professor interessado a assistir às minhas aulas, em caso de dúvidas.
A terceira acusação se refere à minha desobediência ao Regimento Geral da UFPR, principalmente no que se refere ao cálculo de médias e à realização de exame final. Isso é verdade. De fato violei o Regimento Geral da UFPR, simplesmente porque ele está em absoluta contradição com três fatos marcantes que não podem ser avaliados separadamente: o perfil acadêmico dos alunos do Curso de Física da UFPR, o caráter de disciplinas usualmente lecionadas no Setor de Ciências Exatas e as exigências do contrato REUNI que a UFPR assinou com o Governo Federal. Mesmo aprovando alunos que apenas assinaram suas avaliações, o índice de aprovação da turma CM041-J foi de 58% e o índice de aprovação da turma CM201-B foi de apenas 38%. Este resultado demonstra claramente a irresponsabilidade da Universidade Federal do Paraná em concordar com a meta de 90% de aprovação em todos os cursos. Na maioria das disciplinas obrigatórias dos cursos de graduação do Setor de Ciências Exatas esse índice é simplesmente impraticável. Por isso mesmo estudo maneiras de elevar ainda mais meus índices de aprovação em turmas que eu venha a assumir no futuro. Manterei os critérios de avaliação acima mencionados, ou variações dos mesmos, enquanto a UFPR não apresentar uma solução definitiva para a inconsistência entre o contrato REUNI e a realidade de nossa vida acadêmica.
Minhas ações apontadas no processo em questão são uma simples consequência do compromisso da UFPR e do Setor de Ciências Exatas com o REUNI. Neste sentido, o que deve ser investigado é o pacto que a UFPR fez com o Governo Federal através do edital REUNI e não a minha conduta como professor.
Coloco-me à disposição para demais esclarecimentos a quaisquer interessados sobre o assunto.
Atenciosamente
Professor Adonai Sant'Anna
Departamento de Matemática - UFPR
Matrícula 102806
___________
Decidi então aguardar pela reunião departamental, antes de divulgar aqui os novos fatos sobre o processo movido contra mim. Eu não queria interferir com quaisquer decisões da plenária. Afinal, já temos um "estranho jogo de pingue-pongue" neste processo, o qual nasceu na Coordenação do Curso de Física, foi encaminhado para a Direção do Setor, a qual jogou para a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEPE) que, por sua vez, devolveu para o Departamento de Matemática. Ou seja, ninguém quer falar sobre o assunto, quando o tema é o REUNI. A PROGEPE simplesmente ignorou as graves acusações do Coordenador do Curso de Física, bem como a recomendação de encaminhamento feita pela Direção do Setor de Ciências Exatas.
Ontem finalmente ocorreu a 301.a Reunião do Departamento de Matemática, na qual um dos dois assuntos da pauta era o Processo 23075.046301/2012-53 movido contra mim.
O relator foi o Professor Carlos Henrique dos Santos. Seu parecer foi contrário à formação de uma comissão de sindicância, conforme solicitado no processo 23075.046301/2012-53. O argumento foi sucinto. Uma comissão de sindicância deve apurar fatos. Como admiti violar o Regimento Geral da UFPR, não há mais fatos para serem apurados.
A discussão em plenária durou cerca de uma hora e meia. Houve quem contestasse se realmente violei o Regimento Geral da UFPR, o qual é redigido de forma muito vaga. De minha parte, prefiro manter a posição de que fui contrário ao Regimento. Isso facilita a exposição da UFPR ao ridículo.
Houve também duas manifestações contrárias aos meus critérios de aprovação, vindas de um professor e um aluno (este um representante discente que estranhamente apoia o REUNI).
Ocorreram ainda discussões sobre a necessidade de uma nova redação para o Regimento da UFPR. E até mesmo um depoimento da Professora Soraya Rosana Torres Kudri teve lugar, o qual confesso ter me emocionado.
Considero que a decisão da plenária departamental foi sensata, ao aprovar o parecer do relator com pequenas modificações. Em nenhum momento o relator do processo discutiu sobre o REUNI. Não cabe ao Departamento de Matemática se indispor politicamente com a UFPR. E insisto neste ponto. Qualquer mudança política relevante nas universidades federais deve ocorrer de fora para dentro.
Conversei reservadamente com o Professor Carlos Henrique dos Santos, para saber sua opinião sobre o REUNI. Ele então me informou que havia encaminhado um documento para a UFPR no qual apontava os graves riscos deste contrato para a universidade. Pretendo em futuro próximo divulgar este importante documento, o qual foi simplesmente ignorado por instâncias superiores da UFPR.
Infelizmente o processo 23075.046301/2012-53 parece estar fadado ao engavetamento. No entanto, muito em breve postarei um novo texto que será bem mais difícil de ignorar.
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