Matemática
Os mitos Leibnizianos a respeito das curvas diferenciais
O conceito moderno de limites não aparece até o começo do século $XIX$ e, assim, nenhuma definição de derivada parecida com $\displaystyle f^\prime(x)=\lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x}$ era possível para Leibniz ou seus sucessores imediatos.
A maior parte do pensamento matemático produtivo do período estava baseada e, uma outra forma da noção de "infinitamente pequeno". A atitude de Leibniz diante da equação:
\begin{equation*}
\frac{dy}{dx} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x}
\end{equation*}
teria sido essencialmente o seguinte: como $x$ tende a zero, ambos $\Delta y$ e $\Delta x$ tornam-se “infinitamente pequenos” ou conjuntamente “infinitesimais”. Portanto é razoável pensar no limite $dy / dx$ como o quociente de duas quantidades infinitesimais, denotadas por $dy$ e $dx$ e chamadas de “diferenciais”. Na imaginação de Leibniz, um infinitésimo era uma espécie particular de número que não era nulo e ainda era menor que qualquer outro número.
Havia também uma versão geométrica dessa ideia, onde uma curva era pensada como consistindo em um número infinito de segmentos de retas infinitamente pequenos:
Uma tangente era uma reta contendo um desses minúsculos segmentos. Para determinar o coeficiente angular da tangente num ponto $P(x, y)$, movemos uma distância infinitesimal ao longo da curva até o ponto $P^\prime (x + dx, y + dy)$ e observamos que o coeficiente angular do segmento infinitesimal é o quociente $dy / dx$.
Acredita-se que Leibniz tenha introduzido as diferenciais $dx$ e $dy$ para denotar correspondentes variações infinitesimais nas variáveis $x$ e $y$. Para ter uma ideia de como essas diferenciais eram usadas, suponha que as variáveis $x$ e $y$ sejam relacionadas pela equação:
\begin{equation}
y=x^2
\end{equation}
Leibniz, então, substituiria $x$ e $y$ por $x+dx$ e $y+dy$ para obter:
\begin{equation}
y+dy = (x+dx)^2\\
\ \\
y+dy = x^2 + 2x~dx+dx^2
\end{equation}
Substituindo $(1)$ em $(2)$, obtemos:
\begin{equation}
x^2+dy = x^2 + 2x~dx+dx^2\\
\ \\
dy = 2x~dx + dx^2
\end{equation}
Leibniz simplesmente descartaria o termo $dx^2$ chegando à fórmula familiar:
\begin{equation}
dy = 2x~dx\\
\ \\
\frac{dy}{dx} = 2x
\end{equation}
A justificativa de Leibniz é que o quadrado de um número infinitamente pequeno é “infinitamente infinitamente pequeno” ou “um infinitésimo de ordem superior”, e assim seria inteiramente desprezível.
Para Leibniz, a derivada era um quociente genuíno, um quociente de infinitésimos, como o dado em $(4)$ e ilustrado na figura logo acima. Essa forma de cálculo veio a ser largamente conhecida como “Cálculo Infinitesimal”.
Comparando o uso dos infinitésimos por Leibniz com a abordagem moderna baseada em limites, por exemplo, a função $y = x^2$, se $\Delta x$ é uma variação não-nula de $x$ e $\Delta y$ é a correspondente variação em $y$, então obtemos:
\begin{equation*}
\Delta y = 2x~\Delta x + \Delta x^2
\end{equation*}
Em vez de descartarmos o termo $\Delta x^2$, o dividimos por $\Delta x$ e obtemos o quociente $\Delta y / \Delta x$, e depois definimos a derivada como sendo o limite desse quociente quando $\Delta x$ tende a zero:
\begin{equation*}
\frac{dy}{dx} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} (2x+\Delta x) = 2x
\end{equation*}
Reproduzindo o que Leibniz encontrou em $(4)$, de um modo que substitui o uso de infinitésimo por um cálculo de limites.
As ideias de Leibniz funcionaram efetivamente de maneira quase miraculosa e dominaram o desenvolvimento do Cálculo e das Ciências Físicas por quase $150$ anos. No entanto, essas ideias eram falhas, já que os infinitésimos, no sentido descrito acima, claramente não existem, pois não existe tal coisa como um número positivo que é menor que todos os outros números positivos.
Por todo esse período de mais de um século, o enorme sucesso do Cálculo como instrumento de resolução de problemas era óbvio para todos, e ninguém ainda era capaz de dar uma explicação logicamente aceitável do que era o Cálculo. A névoa que obscurecia seus conceitos fundamentais foi finalmente dissipada no começo do século $XX$ pela teoria dos limites. Afortunadamente, os primeiros matemáticos do período moderno (o próprio Leibniz, os Bernoullis, Euler, Lagrange) tiveram profundos sentimentos intuitivos para o que era razoável e correto nos problemas que estudaram. Embora seus argumentos muitas vezes não fossem rigorosos do ponto de vista moderno, esses pioneiros raramente se perdiam em suas conclusões.
Se um mito é uma expressão dissimulada, condensada e simbólica de uma verdade mais complicada e talvez parcialmente oculta, então a Matemática tem seus mitos exatamente como a História e a Literatura. As diferenciais de Leibniz foram eliminadas do “Cálculo oficial” pela teoria dos limites, contudo, elas permanecem como uma parte viva da mitologia do assunto.
Referências:
[1] Cálculo com Geometria Analítica V1 – Simmons – Ed. McGraw Hill
Veja mais:
O Cálculo Integral
Leibniz e as Diferenciais
Teste da Integral para Convergência de Séries
Dropping in on Gottfried Leibniz no Stephen Wolfram Blog
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